Carta Aberta

Carta Aberta a Sua Excelência o Senhor Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, Prof. Doutor Francisco Nunes Correia sobre a Portaria n.º 143/2009, de 5 de Fevereiro – Pesca Lúdica no PNSACV

Perante a publicação de mais uma normativa a aplicar na área do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, não quero, porque não posso e também porque não devo, como cidadão natural do Concelho e investido no cargo de Presidente da Câmara Municipal deste Município de Vila do Bispo, deixar de vir junto de V. Exa., como responsável máximo pela tutela do ICNB e do PNSACV, manifestar o mais veemente protesto e desagrado pela forma persecutória como esta parcela de território tem sido sucessivamente alvo de medidas ditas de “ordenamento” e de “regulação” da actividade humana, sem atender minimamente ao elemento principal que aqui habita e trabalha, ou seja, o Homem.

Saberá Vossa Excelência Senhor Ministro da classificação de Área de Paisagem Protegida (Dec. Lei nº 241/88), da passagem a Parque Natural (Dec. Reg. n.º 33/95, alterado pelo Dec. Reg. n.º 9/99); dos embargos decretados às construções nas urbanizações – ZOT - com alvará de loteamento em vigor; das Medidas Preventivas decretadas em Fevereiro de 2008 (RCM nº 19/2008), paralisando ou bloqueando parte do desenvolvimento urbanístico ou turístico deste Concelho; das Portarias da Pesca e Apanha Comercial que, mais do que regular os recursos naturais existentes, asfixiam a vida económica e social de pescadores e apanhadores de marisco na Costa Vicentina; da proposta de Regulamento da Revisão do Plano de Ordenamento do PNSACV, com medidas fundamentalistas, desmesuradas, sem fundamento ou objectividade e que a tornar-se eficaz seria o descalabro social e económico destas terras e destas gentes. Por fim, a Portaria nº 143/2009 a dar mais uma machadada na economia local.

Não vou nesta missiva evocar e enumerar os vários erros e incongruências de que esta portaria enferma, e que são muitas, desconexas e contraditórias, pretendendo com o devido respeito, pessoal e institucional, que é muito, questionar se V. Exa., que para além de titular da pasta do Ambiente e Ordenamento do Território, é também titular do Desenvolvimento Regional, o que implica o desenvolvimento e a sustentabilidade económica e social local, tem conhecimento dos factos e respostas para as seguintes questões:

• Porque será que cada vez que o Ministério do Ambiente e/ou ICNB se lembram do PNSACV e do Município de Vila do Bispo é para lhe aplicarem medidas e normativas castradoras das suas capacidades e provocar limitações várias à sua população?

• Porque será que neste território, em nome de valores naturais, na maior parte dos casos mal avaliados e fundamentados, é sempre o Homem a sair desvalorizado e desfavorecido?

• Porque será que as medidas negativas são sempre aplicadas às populações mais desfavorecidas e aos municípios mais desertificados? E as medidas positivas, de incentivos financeiros, investimentos e alterações aos Planos de Ordenamento viabilizadoras de investimento, acontecem sempre nos municípios ricos e populosos?

• Porque será que os investimentos públicos da Administração Central, prometidos e assumidos como contrapartida e compensação por viver e trabalhar no Parque Natural não aconteceram e não acontecem?

• Porque será que as ditas e prometidas medidas de descriminação positiva na Lei das Finanças Locais, para os Municípios com vastas áreas protegidas, não tiveram reflexo na letra da referida lei?

• Porque será que o MAOTDR, por via do ICNB, nunca procedeu a qualquer avaliação do impacto social e económico do Parque Natural e da Área de Paisagem Protegida nestes Municípios?

• Em nome de que valores naturais, paisagísticos ou outros, se continua a fustigar e prejudicar tão fortemente a vida e a actividade destas populações, que resistem a emigrar para os grandes centros urbanos, mais parecendo um fatalismo terem nascido ou fixado residência neste território?

• Em nome de que valores ou interesses se continua a tratar estas gentes como filhos de um Deus menor?

• Onde estão os Planos e Incentivos Financeiros, no âmbito do QREN, FEADER, PROVERE, ou outros, dirigidos às Áreas Protegidas?

• Onde estão as medidas compensatórias que convençam alguém que é bom viver num Parque Natural?

• Porque será que as Autarquias da Área do PNSACV não foram ouvidas sobre a proposta desta portaria? Será que o conhecimento técnico, científico, laboral, económico e social só tem assento nos gabinetes do “Terreiro do Paço” e nem autarcas, nem associações locais têm algo a dizer ou opinar?

• Saberá V. Exa. que na área do Parque Natural do SACV a pesca foi outrora uma das principais actividades económicas deste concelho e ainda representa a sustentação principal de várias famílias? E que as Portarias da pesca comercial, como o polvo capturado nos alcatruzes de barro, veio pôr em causa, sem que o Ministério da Agricultura e Pescas se tenha dignado ouvir as partes interessadas, pescadores e Autarquias, e proceder à sua revisão?

• Saberá V. Exa. que a pesca ou apanha lúdica são ainda para muitos dos cidadãos desta região uma forma de subsistência económica ou alimentar, e não uma mera actividade lúdica ou turística?

• Tem V. Exa. dados reais sobre os malefícios que as sucessivas medidas e normativas aprovadas e publicadas pelo Ministério tutelado por V. Exa. e pelo Ministério da Agricultura e Pescas, têm provocado e continuam a provocar na população destes Concelhos?

• Tem V. Exa. a noção de que a forma tecnocrática como as várias normas são elaboradas nos gabinetes, sem audiência aos directamente interessados, se estão a transformar em formas de exclusão social, geradoras do repúdio e mau estar nas populações e de um desvio, cada vez maior e irreversível, da sua identificação com o Parque Natural, bem como para com os objectivos e as propostas do mesmo? Dado que, medida após medida, norma após norma, nós os “indígenas”, vemos sucessivamente os nossos usos e costumes ancestrais postos em causa, aumentando cada vez mais as desigualdades de oportunidades entre quem vive dentro de um Parque Natural, face aos outros cidadãos.

Exmo. Senhor Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, como responsável pelas pastas do Ambiente e do Desenvolvimento Regional, incumbe a V. Exa. a obrigação moral e o dever político de actuar e pugnar para que, de uma vez por todas, seja feita a justiça devida a estas populações e se imponha o bom senso, que há muito tem faltado, que persiste em desprezar a vida humana neste território, fazendo com que uma simples, mas bela planta; um simples, mas desaparecido lince; e agora também um simples, mas fresco sargo, sejam mais importantes de salvaguardar do que os simples seres humanos que aqui vivem e trabalham, mas com os mesmos direitos constitucionais que quaisquer outros.

Exigimos o respeito, o rigor e o tratamento devidos a qualquer cidadão deste País e da União Europeia.

Em face do exposto e do muito mais que aqui não foi dito, requeiro a V. Exa. que a referida portaria seja suspensa e reavaliada de imediato.

Vila do Bispo, 12 de Fevereiro de 2009
Com os melhores cumprimentos,

O Presidente da Câmara

Gilberto Repolho dos Reis Viegas

Fonte: CM Vila do Bispo

2 comentários:

Anónimo disse...

Ah! grande Presidente da Câmara.

As suas palavras são verdadeiras, oportunas e incisivas.

Ao focalizar os vários problemas do concelho, denuncia e evidencia a pequenez de um ministro, de um ministério e de toda uma política do ambiente.
Bem-haja por se bater desta forma lúcida, oportuna e sobretudo por lhes ter lembrado que a democracia que os ditos governantes se arrogam, passa por Vila do Bispo.

Esta carta aberta deveria ser mais publicitada para que as pessoas em geral se apercebessem da tacanhês das medidas contestadas.
Fernando Serra

Fernando Encarnação disse...

Viva Fernando Serra.

Desde já o meu agradecimento pelo comentário.

Grande Presidente da Câmara, mesmo.

O Sr. Gilberto Viegas tem claramente uma visão da problemática e defende os interesses das pessoas que o elegeram que só por si, tem mérito.

Concordo claramente que estas e outras questões tenham de vir parar em cima da mesa, porque ao que parece o Governo não acredita que aqui existem pessoas.

Abraço.