Quem durante estes meses de inverno percorrer as arribas de Sagres e atravessar essa paisagem agreste da costa norte, depara com uma infinidade de pescadores que, nos locais mais recônditos e em alturas de estarrecer, alimentam essa espécie de “vício” que se traduz em pescar. E como nem sempre é medido o perigo e tomadas as devidas precauções, é frequente começar a correr que mais um pescador, caído do cimo do seu pesqueiro, acabou, por aí, encontrar a morte antes do tempo. Esta perigosidade, que tem atravessado os tempos, constituiu-se num passatempo e num modo de vida que foi fazendo tradição e que se enraizou no seio da própria população.
Apesar desta pesca informal começar a crescer e conquistar cada vez mais adeptos, não deixou de ser considerada uma actividade tradicional e que, com o recurso a tempos livres, conseguía equilibrar pequenas economias e funcionar como um complemento salarial.
Até o sustento familiar recebia o amparo com esta actividade e o próprio comércio, com o movimento que a pesca gerava, acaba por se lhe associar e por receber um forte impulso.
Toda esta forma artesanal de se viver e todo este movimento feito de tradição que se começou a desenvolver, viria, quando menos se esperava, a receber um duro golpe. Teve a ver com a publicação da portaria 143 e 144 de 5 de Fevereiro último, que se viria a abater sobre esta actividade ancestral e criar um rude golpe no que era designado por pesca tradicional.
De acordo com essas disposições legais, que apelidam este tipo de pesca por “pesca lúdica” e que se cinge à área do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina, era necessária, em nome da preservação das espécies, a sua restrição e, por isso, cria-se-lhe uma forte limitação.
Por entre preâmbulos e outras explicações, o documento acaba por se resumir à proibição de se pescar às segundas, terças e quartas e de, nos outros dias, apenas o permitir entre o nascer e o pôr do sol. Outro dado digno de se assinalar, é que este tipo de pesca passa a ser exclusivo de residentes nas áreas abrangidas por este dispositivo legal.
Perante estas limitações e, sobretudo, porque esta é uma actividade tradicional para quem se encontra sobre o litoral mas, também, para quem vive mais para o interior, a comunidade piscatória, num acto de sublevação, não se conseguiu conter. E, por isso, a 15 de Fevereiro, decidiu sair à rua para manifestar a sua indignação, dar mostras da sua força e constituir-se um movimento que poderá vir a tomar outras medidas que obriguem o governo a recuar.
E pelo que se viu pelas ruas de Sagres, este movimento já mostrou alguma dimensão mas, caso o problema não se resolva, poderá ainda engrossar e a contestação poder-se-á ainda mais agravar.
A este protesto nem o próprio comércio ficou indiferente por, também ele, começar a ser afectado. Todo esse movimento que, por si, via passar, corre o risco de se perder e, como consequência, toda a facturação começar a cair.
Perante este problema que a todos está a afectar, as próprias autoridades autárquicas começaram-se a movimentar.
E, nessa sequência, teve já lugar uma reunião entre os presidentes das Câmaras e Assembleias Municipais e uma outra entre os Presidentes das Juntas de Freguesia que não compreendem como é que se implementa uma legislação que mexe com a vida e as tradições das pessoas sem a sua prévia audição.
Para uma melhor compreensão de todo este movimento que começa a eclodir, fomos ouvir alguns dos seus investimentos e que estão a seguir os seus passos. E, naturalmente, o Presidentes da Junta de Freguesia de Sagres não poderia faltar. Por isso, fomos ao seu encontro para o escutar, para saber o tipo de participação que está a ter e tudo o que se está a fazer para que o problema se possa vir a resolver sem que a sua freguesia seja prejudicada.
O mesmo aconteceu com o principal responsável do partido da oposição que, por entre outros motivos, foi ouvido também pela sua participação neste movimento de contestação.
No que aos Presidentes de Câmara diz respeito, mais do que os ouvir, importa dar a conhecer o comunicado que, em conjunto, elaboraram e o resultado da reunião com o Ministro do Ambiente de 25 de Fevereiro.
A posição dos Presidentes das Câmaras de Vila do Bispo, Aljezur e Odemira
Perante este movimento que emana do interior dos seus municípios, os Presidentes das Câmaras destes três concelhos da área do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina decidiram reunir-se para tomar uma posição e a dar a conhecer a quem tutela o sector.
Em forma de carta elaborada para o efeito, começam por dizer que, deram já a sua contribuição apresentando várias propostas para serem tidas em conta na respectiva legislação.
Mas ao contrário do que seria de esperar, nada foi tido em conta e, por isso, o quadro legal que se acaba de produzir merece a sua maior repulsa pois, não compreendem a diminuição do número de dias de pesca, as zonas de interdição, as proibições para os não residentes e a introdução de um defeso cuja justificação questionam.
E continuam dizendo que “num momento em que o país vive uma forte crise económica, ainda mais difícil é de compreender estas normas que vêm agravar o estado depressivo em que as já excluídas e castigadas populações do Parque Natural se encontram”.
Para além de outros arrazoados que têm a ver com usos e costumes enraizados na vida das populações, chamam ainda a atenção para a importância que as actividades visadas assumem para a economia alimentar das populações e para a sua relevância na actividade económica local.
Com “a proibição da apanha a não residentes, ir-se-à privar o pequeno comércio de centenas de pescadores oriundos de outros municípios exteriores do Parque Natural”.
Com estas e outras razões, este Presidentes de Câmara, coadjuvados pelos Presidentes das Assembleias Municipais, fazem questão de ser recebidos pelo Ministro do Ambiente para, de viva voz, lhe apresentar as suas razões.
Ministro do Ambiente compromete-se a rever a polémica portaria da pesca lúdica
De acordo com o seu teor, depois da equipa ministerial ter acolhido os esclarecimentos e as razões dos Presidentes das Câmaras do território do Parque Natural, a reunião culminou com o compromisso da revisão da portaria durante o prazo máximo de sessenta dias a contar da data da sua publicação.
Foi ainda garantido que, durante a primeira quinzena de Março, a nova versão do regulamento do POPNSACV (Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina) será facultada aos membros da comissão mista de coordenação.
E com este compromisso que os Presidentes de Câmara conseguiram obter, em parte ficará esvaziado o movimento de contestação que ameaçava varrer Sagres e parte sul da costa norte.
Fonte: correio de lagos
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