Adelino Soares - Presidente da Comissão Política do PS de Vila do Bispo e membro do movimento de contestação

Adelino Soares

Adelino Soares, pelo facto de se ter empenhado neste movimento de contestação, pareceu dar a entender que estava a ter um comportamento contraditório. É o governo PS o autor da legislação e, Adelino Soares, como seu representante máximo a nível local, não se coibiu de se associar e de ter um papel de destaque neste movimento de contestação. Mas diz-nos o nosso entrevistado que esta legislação é transversal por ter proveniências cujas origens se vão buscar a um governo do PSD e que, agora, penaliza uma actividade tradicional. Mais do que deste ou daquele governo, tem que se estar, em seu dizer, ao lado das populações quando em causa estão os seus direitos, os seus usos e costumes e muitas das suas tradições. Neste caso, está ao lado dos pescadores a defender a sua economia familiar e uma prática de subsistência com raízes bem profundas.
Para melhor se compreender esta contradição e a sua implicação neste movimento de contestação levado a cabo pelos homens da pesca tradicional, vale a pena ler o que Adelino Soares tem para nos dizer.

CORREIO DE LAGOS – Tem estado a acompanhar os reflexos das restrições da pesca lúdica na Costa Vicentina. Fá-lo por ser pescador ou por estar metido na política?

ADELINO SOARES – Faço-o, essencialmente, por ser pescador. Mas para além de ser pescador, preocupo-me, como cidadão, com os problemas económicos e sociais e mesmo com os costumes e tradições da população do concelho de Vila do Bispo. O ir à pesca em dia de folga, ao fim de semana ou sempre que haja tempos livres, constitui uma tradição enraízada no seio da população. Trata-se de uma tradição que, além do desporto e do lazer, acaba por funcionar como um complemento ao sustento familiar.

C. de L. - Já apanhou muitos sargos?

A. S. - Quem é pescador, nestas alturas sempre apanha alguns. E eu também tenho apanhado.

C. de L. - Essa limitação à pesca do sargo e de outras espécies em que é que consiste?

A. S. - Essa proibição está focalizadas em sete pontos. Mas, de todos eles, destaco apenas os mais significativos. Esta pesca tradicional, que a legislação apelida de pesca lúdica, impossibilita as pessoas de pescar à segunda, terça e quarta. Além disso, limita a apanha apenas a sete quilos e meio. Também não aceitamos a proibição de pescar à noite. Avança ainda esta portaria com outras limitações como a de condicionar este tipo de pesca apenas aos residentes e naturais dos concelhos a que a legislação diz respeito. Tudo isto, para nós, não faz sentido. É preciso atender às necessidades das populações. E os concelhos abrangidos por estas limitações já têm outras que têm impedido o seu desenvolvimento como é o caso do Parque Natural. Tem que se respeitar as pessoas, as suas tradições e, numa altura de crise como a que vivemos, não se lhes pode retirar esta compensação ao seu rendimento familiar.

C. de L. - Mas não se trata de uma forma de preservar as espécies para que as gerações futuras também tenham direito a pescar?

A. S. - Mas não pode ser apenas o pescador lúdico a sofrer com as consequências da preservação das espécies. Temos que ter em conta que este tipo de pesca representa apenas 0,5 por cento das capturas. Se se quer falar em preservação, então que se trate do problema de outra maneira. Que se façam estudos científicos e bem cuidados para que a preservação seja assegurada. Agora, querer limitar as restrições à pesca a quem apenas captura 0,5 por cento da captura é, no mínimo, ridículo.

C. de L. - Nesse caso, as restrições dever-se-iam estender a todos e não apenas aos homens da pesca lúdica?

A. S. - Primeiro, digo que se faça estudos científicos e bem cuidados. E, depois, caso tenha que haver algumas estrições, que sejam extensivas a todos. A preservação deve ser, neste caso, uma tarefa de todos e não só de quem menos representa ao nível da apanha.

C. de L. - Esta legislação teve o cuidado de proteger os habitantes do concelho de Vila do Bispo e de outros municípios a que a portaria diz respeito. É favorável a esta protecção ou quem vem de fora deve ter direitos iguais?

A. S. - Todos somos cidadãos portugueses. Não deve haver discriminação. Assim como há pessoas do concelho que vão para outras paragens apanhar outro tipo de marisco ou de peixe, como por exemplo a Ria de Alvor, também essas pessoas têm o direito de vir para cá. Não faz sentido andar a fazer divisões ou discriminações como esta legislação o pretende.

C. de L. - Caso esta legislação vá para a frente e impeça muitas pessoas de fora de virem pescar, o comércio do concelho acaba por se afectar?

A. S. - Como é do conhecimento de todos, o nosso tecido económico e empresarial é bastante fraco. E se as pessoas que habitualmente frequentem o concelho deixam de vir, todo o comércio se ressente. Há muitas pessoas que vão pescar e outros que as vêm acompanhar. Tudo isto gera bastante movimento. E caso sejam impedidas de vir, não há movimento comercial e o concelho de Vila do Bispo é que acaba por ser prejudicado.

C. de L. - Em termos políticos, esta luta acaba, para si, por ser um pouco contraditória. Como Presidente da Comissão Política local do PS, tem-se estado a bater contra uma legislação que é imanada de um governo suportado pelo PS. Como é que se sente nesta camisa de forças?

A. S. - Tanto a legislação referente às pescas como a que tem a ver com o Parque Natural são extensivas tanto a governos PS como PSD. Por exemplo, no que a esta lei diz respeito, segundo pude consultar trata-se de uma lei que foi iniciada pelo Secretário de Estado do PSD, Frazão Gomes. São leis que atravessam governos de vários partidos. E nós temo-nos que bater por aquilo que achamos justo e que possa estar a prejudicar as nossas populações. Por isso, neste processo, estamos com as pessoas de Vila do Bispo e com todos aqueles que, aqui, querem continuar a pescar.

C. de L. - E como é que se posiciona a Comissão Política do PS sobre este problema?

A. S. - A Comissão Política do PS ainda não debateu o assunto em reunião formal. Mas os seus dirigentes têm conversado uns com os outros e estão totalmente contra esta portaria.

C. de L. - Caso este assunto não seja resolvido, segundo se começa a ouvir poderá, inclusivé, haver boicote às eleições autárquicas. Trata-se apenas de uma ameaça ou tudo pode acontecer?

A. S. - Há já um movimento do qual faço parte. E já fizemos sair uma nota de imprensa. E não apontava para nenhuma tomada de posição como essa. E, pelo que vejo, não é a favor de qualquer tomada de posição desse tipo. Somos a favor do diálogo e de conversações para podermos chegar a algum entendimento. O nosso objectivo é que as coisas se possam resolver e não complicá-las ainda mais.

C. de L. - Qual é a posição dos órgãos regionais do PS sobre este problema?

A. S. - Segundo sei, não existe nenhuma posição oficial dos dirigentes do PS do Algarve. De qualquer forma, temos vindo a estabelecer contactos com os órgãos do poder regional como é o caso da Sr.ª Governadora Civil. E, de acordo com o que me foi transmitido, a Sr.ª Governadora já falou com o Secretário de Estado. Está-se, presentemente, a proceder a todas as diligências necessárias a fim de que a portaria seja revista.

C. de L. - Pensa que se vai chegar a um consenso ou a luta vai continuar a agudizar-se cada vez mais?

A. S. - Eu acredito que a Sr.ª Governadora Civil, com a capacidade e com a sua competência, vai-nos ajudar a resolver este problema.

C. de L. - Não teme que o PS, a nível local, seja prejudicado por uma legislação como esta?

A. S. - Em termos autárquicos, não. As pessoas sabem fazer perfeitamente a distinção. Como esta posição nada tem a ver com os responsáveis locais ou regionais do PS, não haverá qualquer penalização. Pelo contrário, as pessoas sabem que estamos a trabalhar e que tudo estamos a fazer para resolver o problema.

C. de L. - E terminamos como começámos. Está nesta causa mais como político ou como cidadão?

A. S. - Estou nesta causa fundamentalmente como cidadão. Preocupo-me com questões locais, políticas, sociais e com todo o tipo de situações que tenham a ver com as populações. Ao contrário do que acontece com muitos dos nossos dirigentes políticos locais que só se preocupam com este tipo de assuntos quando lhes dá jeito, nós procuramos acompanhar e estar ao lado dos problemas das pessoas. E este é um desses problemas ao qual não poderíamos virar as costas.

Sem comentários: