CORREIO DE LAGOS – O presidente da Junta de Freguesia de Sagres está nesta luta como pescador ou como Presidente da Junta.
FERNANDO SANTANA - Acompanho o problema provocado pela legislação respeitante à restrição da pesca lúdica apenas como autarca. Apesar de trabalhar na Doca Pesca e em contacto directo com os pescadores e outros profissionais desta actividade, é como Presidente da Junta que acompanho o problema.
C. de L. - Mas também é pescador?
F. S. - Gosto muito de peixe e, particularmente, de sargos, mas não sou pescador.
C. de L. - Esta limitação da pesca a apenas alguns dias é para proteger as espécies ou para penalizar os pescadores?
F. S. - Em meu entender, esta legislação não vem beneficiar as espécies. Como é que quem se dedica a este tipo de pesca é penalizado e outros não o são? Esta legislação penaliza uns, os que menos pescam, e beneficiam outros, os que mais pescam. Todos têm os mesmos direitos e todos devem pescar. Essa coisa de chamar pesca lúdica, só se for para os senhores de Lisboa que vêm para cá pescar. As pessoas destes quatro concelhos vão à pesca porque sempre o fizeram. Faz já parte da tradição, do seu modo de vida e da própria economia familiar. Assim como tratam do seu quintal e da sua horta para poderem colher alguns produtos agrícolas, também vão à pesca para arranjar mais alguma coisa para viver.
Quanto à preservação das espécies, o pescador à cana tem apenas um ou dois anzóis e apanha uma pequena quantidade. A pesca profissional, a quem esta legislação não se aplica, tem outros recursos e consegue apanhar cinquenta, cem ou duzentos quilos. Não tenho nada contra os profissionais. Mas que preservação é esta quando quem mais apanha pode continuar a pescar e quem apanha uma miséria é que é penalizado? Até se poderia compreender que, numa área restrita, houvesse algum defeso e que até não se pudesse pescar no mar e próximo de terra.
C. de L. - Que interesse tem, então, o governo em penalizar os homens da pesca lúdica?
F. S. - Penso que há alguma falta de sensibilidade, de conhecimento das tradições e do papel de preservação que tem vindo a ser exercido pelas populações. O exemplo encontrámo-lo neste cantinho a que poderemos chamar o Parque Natural. Estas terras foram preservadas pelos nossos antepassados. E fizeram-no através da pesca e da agricultura. Dou-lhe o exemplo dos meus avós e dos meus bisavós. Tratavam dos pinheiros, das ribeiras e tinham o cuidado de limpar as terras. Os pinheiros da Samouqueira eram limpos todos os anos pelo meu avô. Hoje, faz-se tudo ao contrário. Não se pode fazer nada. Começamos a ver que nada é limpo e, depois, tudo acaba por arder com os fogos de verão. Não quer dizer que esteja contra o Parque Natural. Mas além de ter que haver contrapartidas para as pessoas que cá vivem, é importante que continuem a cultivar e a tratar dos seus haveres. É por isso que estes planos não podem ser estudados só em gabinetes. Tem que haver reuniões com instituições e com pessoas que vivem na terreno, a começar pelas mais velhas. E com estas normas, em vez de se estar a proteger, por exemplo, o Parque Natural, está-se a dar cabo do território de dia para dia.
C. de L. - Mas as pessoas de Sagres têm mais possibilidade de continuar a pescar do que quem vem de fora. Afinal, nesta situação Sagres consegue manter alguma vantagem.
F. S. - Não sou a favor de haver diferenças. Qualquer cidadão deve ter os mesmos direitos. A freguesia de Sagres e todo o concelho de Vila do Bispo vivem, também, de todos os que vêm de fora. O comércio, sem os homens da pesca, acaba por se ressentir. Todo o movimento que a pesca gera faz parte da vivência das pessoas. Na pesca também se arranjam amigos. Se isto se continuar a degradar de dia para dia, acabará por criar mal estar e até por gerar alguns ódios de uns para com os outros. É uma situação criada pelo governo central e que acabará por prejudicar os habitantes da freguesia de Sagres e de Vila do Bispo.
C. de L. - O comércio de Sagres vai-se ressentir se esta medida for para a frente?
F. S. - Já se está a ressentir. Hoje, levantei-me muito cedo. Contactei com casas que abrem às 5.30 da manhã. Cafés e casas onde se servem pequenos almoços a pessoas que vinham de Portimão, Lagos, Lagoa e Faro, já não têm ninguém. Como se vê, estão já a ser penalizadas.
C. de L. - Esta legislação já entrou em vigor?
F. S. - Já. As suas consequências estão-se a sentir. Tenho mesmo um e-mail em meu poder de um cidadão que costuma vir com a família para Sagres. Este ano diz que já não vem. Vai para Espanha. É apartamento, restaurantes e demais coisas que vêm a seguir. Fica, assim, muito negócio por se fazer. E isto é prejudicial para o concelho e para a freguesia de Sagres.
C. de L. - Como a legislação é do governo PS, o actual Presidente da Junta e, candidato às próximas autárquicas, acabará por tirar alguma vantagem de uma situação como esta.
F. J. S. - Não é com isto que obtemos qualquer vantagem. As pessoas sabem o trabalho que desenvolvemos, no nosso dia a dia, em benefício de toda a população. Sentimos obrigação de, junto do poder central, mostrar a nossa indignação por esta legislação. E fazêmo-lo junto do governo com o apoio da Câmara Municipal e, em último caso, com o apoio das próprias populações. Essa força já foi demonstrada nessa manifestação popular que teve grande adesão, aqui, em Sagres. Também as três câmaras, na reunião que já tiveram, mostraram a sua indignação. O mesmo aconteceu com a reunião dos presidentes de juntas de freguesia. E na sequência destas reuniões, houve já um encontro dos três Presidentes de Câmara com o Ministro do Ambiente.
C. de L. - Todas as forças partidárias estão unidas em torno da resolução deste problema ou nem por isso?
F. S. - Há quem queira tirar dividendos políticos desta situação. Mas o que interessa são as pessoas que vivem nos concelhos do Parque Natural. Não podemos estar agarrados aos partidos. Temos que defender as populações e o futuro dos mais jovens.
C. de L. - Há algumas medidas que os pescadores estão a pensar tomar?
F. S. - Sei que vai haver uma manifestação, em Odemira, junto à sede do Parque Natural, brevemente. Estava prevista para 14 de Março. Mas como os autarcas têm uma reunião em Santarém, talvez se acaba por mudar a data para uma semana depois. Até da zona de Setúbal há pessoas que nos contactaram a demonstrar a sua indignação.
C. de L. - Tem-se ouvido falar num possível boicote às autárquicas se nada se resolver. Chegar-se-á a uma atitude tão drástica ou nem por isso?
F. S. - É uma possibilidade. Se as populações assim o decidirem, é um direito que têm. Os autarcas devem, por isso, estar preparados para o que der e vier. Caso alguma coisa venha a acontecer, as responsabilidades devem ser imputadas ao PS e à maneira como o Governo está a tratar este e outros problemas do género. Como o temos vindo a verificar, há arrogância demais na forma de receber e de tratar as pessoas. Quem é do partido tem tudo e quem não é não tem nada. Nunca vieram dar nada ao concelho de Vila do Bispo. Acabam é por nos discriminar. Vê-se em muitos casos como no das construções e em muitas outras situações.
C. de L. - Acha que o governo ainda vai fazer marcha atrás ou vai mesmo impor as restrições à pesca lúdica.
F. S. - Penso que deveria ser feita marcha atrás. Se formos a ver, é uma contradição em relação ao que o próprio Primeiro Ministro disse junto à ria de Aveiro. Lá disse que as pessoas devem ser ouvidas. Em Vila do Bispo, não se ouve ninguém e impõem-se as coisas.
C. de L. - O que é que o Presidente da Junta pensa fazer se a legislação for mesmo para avançar?
Fonte: Correio de Lagos
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