A conversa com Tiago Pitta e Cunha, do gabinete do comissário europeu das Pescas e Assuntos Marítimos, surgiu a pretexto do Dia Internacional do Mar, que de se celebra esta sexta-feira.
Mas poderia perfeitamente ter acontecido a 20 de Maio - o dia que o próprio ajudou a marcar no calendário de Bruxelas, para celebrar o Dia Europeu do Mar - o mesmo em que, séculos antes, Vasco da Gama chegou à Índia.
Há um ano, a Comissão Europeia (CE) apresentou uma comunicação sobre a Política Marítima Integrada (PMI) europeia. Que é que está a ser feito de concreto nesta área?
A política marítima integrada europeia tem uma nova visão europeia para o potencial que os mares e oceanos têm, do ponto de vista do desenvolvimento económico, da preservação ambiental, segurança energética. É a consolidação do papel da Europa na globalização porque passa muito pelos transportes marítimos e é muito importante que tenhamos aí infra-estruturas muito sólidas. Na altura, foi adoptado um plano de acção com as medidas a apresentar nos dois anos seguintes. O que temos estado a fazer é implementar esse plano de acção. Desde aí, começámos a arrumar a casa, porque a PMI é esta visão abrangente de todos os temas do mar numa política só. Começamos a apontar a mira para alvos mais emblemáticos do plano de acção. Um deles, que é fundamental, é a necessidade de os estados-membros, sobretudo nos municípios costeiros, passarem a ter uma estrutura de governo que se coadune com esta horizontalidade da política do mar. Muito poucos municípios tinham esta abrangência, antes de a CE ter lançado a política. Portugal era uma das excepções. Precisamos de ter interlocutores porque é muito difícil se tivermos que falar com muitas pessoas diferentes nos estados-membros. Neste âmbito e pela primeira vez na UE, lançámos uma estratégia só para a investigação científica marinha o que vai consolidar um período que poderá ter consequências muito positivas para Portugal, porque é uma área em que se tem destacado na componente das ciências físicas.
A CE vai apresentar comunicações neste sector até ao fim do ano.
Até ao fim do ano vamos apresentar uma série de acções para o desenvolvimento da PMI. Desde logo, uma estratégia para a energia renovável extraída do vento, no mar. Para que a UE atinja os 20% de consumo de energia renovável em 2020, o vento vai ter um papel muito importante porque é uma fonte de energia que apresenta uma maturidade de exploração comercial viável. Por razões de ordenamento e planeamento do território, cada vez há mais limitações à criação de parques eólicos em terra por questões de impacto visual e ambiental, enquanto que no mar há áreas muito mais vastas. Neste momento, o mar apresenta custos apreciáveis para a exploração desta fonte de energia mais relevantes do que em terra, mas através de economias de escala que podem ser criadas por programas de investimentos muito amplos, poderá haver uma enorme economia de custos. O recurso vento no mar tem um potencial de força 40 a 50% mais de forte do que em terra. Depois, porque, de futuro, no mar poderão construir-se moinhos de dimensões maiores do que em terra e que produzem mais energia.
Alguns países do norte da Europa começaram recentemente a desenvolver o seu planeamento espacial marítimo - que zonas do mar devem ser atribuídas a que utilização. No sul da Europa isso ainda não é uma realidade.
Julga, então, que Portugal tem uma política estratégica ligada ao mar adequada para tirar o maior partido possível dele?
Portugal tem oficialmente uma estratégia para o mar, neste momento. Claro que a estratégia depende de imensos factores para ser bem executada. Depende da vontade política e da resposta da sociedade, como dos decisores económicos, dos decisores académicos ou outro tipo de influência na opinião pública das sociedades. Neste momento, estamos numa fase francamente mais positiva. Até há cinco anos, tirando o parêntesis que foi a Expo 98, a questão do mar não era sequer equacionada no discurso político. Agora, se me pergunta se isso já chega, digo-lhe que não. O debate está a emergir mas ainda não conseguimos tomar decisões que mudem a realidade das coisas. Se formos ver as estatísticas Portugal está bastante atrasado no contexto da Europa em geral. Há 22 países da UE com zonas costeiras e Portugal é um dos países com menos emprego ligado ao mar.
E o que é que pode ser feito para inverter essa tendência?
Desde logo, temos que readquirir a consciência colectiva da importância estratégica que o mar tem para Portugal. Se nós desvalorizarmos o mar, vamos sempre ver-nos como um país periférico na ponta da Europa. Agora se o mar tivesse uma centralidade económica, Portugal passaria a enquadrar-se geograficamente doutra forma e a nossa percepção alterava-se. Há algo de profundamente paradoxal entre ter a maior Zona Económica Exclusiva da Europa, uma longuíssima costa, um enorme potencial no mar que se pode traduzir em múltiplas vertentes da economia, um passado, uma marca de ligação - e a marca é hoje muito importante nos produtos económicos que se vendem para o exterior. Temos que voltar a esta área, não como a fonte de todas as soluções para o país, mas como uma área em que Portugal poderia efectivamente distinguir-se na Europa porque tem a marca do passado e a geografia do presente, trazendo o espírito empreendedor e investimentos e criando massa crítica nas universidades. Portugal pode ter alguma coisa em que pode ser de ponta. Só vamos fazer isso trazendo para cima da mesa políticas públicas que criem condições de fomento económico na área do mar. Se essas políticas forem criadas de certeza que os decisores económicos vão atrás. Todo este enfoque dado à dimensão marítima por Bruxelas, poderá contribuir em muito para Portugal equacionar essas políticas públicas que fomentem, por exemplo, o desenvolvimento de empresas na área dos transportes marítimos.
Se Portugal não proteger a sua área costeira do impacto humano arrisca-se a perder mais do que a ganhar?
Acho que sim. A falta de planeamento urbano e de entendimento entre a zona costeira de terra e a de mar pode vir a criar enormes desequilíbrios ao país. A maior parte da população portuguesa vive e desenvolve as suas actividades económicas na zona costeira, mas fá-lo completamente de costas voltadas para o mar. Isso leva a que o peso dos custos externos dessa actividade, em termos de poluição, de degradação do ambiente, não esteja a ser tomado em consideração como devia. Se não tivermos uma concertação estratégica e um entendimento do valor precioso que é o mar e as zonas costeiras, estamos a matar a "galinha dos ovos de ouro". Devagar, mas estamos a matá-la.
Por oposição, se Portugal tirar todo o partido da "galinha dos ovos de ouro", pode voltar a centro económico da UE?
As coisas não se podem pôr em termos tão categóricos. Portugal não vai ser a porta de entrada, o porto de acesso à Europa. A nossa ambição não é ser o país marítimo da Europa, mas é ser um dos países marítimos da Europa. Neste momento, somos o país que não aproveita nada das potencialidades que tem e que não é sequer um país marítimo da Europa, em termos económicos. Eu acho que mar é uma ideia mobilizadora para um país que precisa, como todos os outros, de ter uma marca distintiva, que pode ser centralizadora em termos de recentrar geopoliticamente o país na Europa e no mundo. Eu ouvi o ministro da Economia dizer que a Finlândia é líder na tecnologia das comunicações móveis e que Portugal poderia vir a ser líder na tecnologia das renováveis quando inaugurou o projecto-piloto da energia do mar. Eu acho que é exactamente esse o caminho, é aí que o mar pode ter um efeito psicologicamente importante para o todo o país.
Em Portugal, os assuntos do mar estão sob a alçada do Ministério da Defesa. Neste caso, não mereceriam um ministério próprio, sendo um tema tão transversal?
Portugal já teve duas vezes a experiência do Ministério do Mar, nos anos 90, e o que se verificou nessa altura é que acabou por ser mais um ministério sectorial. Toda a concepção destas políticas de última geração de gestão do mar é algo que percorre horizontalmente todas as tutelas e ministérios e nesse sentido seria redutor estar a enclausurar esta política tão abrangente. O que é importante é que haja uma elevadíssima consciencialização e conhecimento de todos para uma acção adequada de todos os ministérios que têm impacto sobre o mar, para que todos eles tomem decisões no mesmo sentido. Se houver este "software" político, é importante que haja uma excelente coordenação dos ministros que têm impacto nos assuntos do mar e que estes criem sinergias entre si. Se isto deve ser feito por A ou B, pode ser discutido. É importante existir uma política, esta ser comum a muitos ministros e não apenas um, responsabilizar esses ministros e que haja efectivamente um decisor político no Governo para poder coordenar.
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