Conservação: quatro casos de fracasso

Na história da conservação da natureza há histórias que simbolizam um fracasso na tentativa de preservar espécies ou habitats. Estas são apenas algumas delas.

A última fêmea de águia-pesqueira morreu em 1997

Mimosa, a árvore fora de controlo

As florestas portuguesas já não conseguem esconder as flores amarelas da mimosa. Esta árvore, originária do Sul da Austrália e da Tasmânia, está hoje espalhada por todo o país de forma descontrolada. Tanto assim é que a Acacia dealbata ganhou o estatuto legal de espécie invasora. A Universidade de Coimbra (UC) acredita que talvez seja a mais agressiva em solo de Portugal Continental.

Tudo começou quando quisemos trazer esta árvore para fins ornamentais e para fixar os solos. Hoje é uma verdadeira dor de cabeça para associações florestais, municípios, empresas e particulares. E não é por desfear a paisagem. Elisabete Marchante, especialista em plantas exóticas e invasoras na UC, explica que a espécie, em povoamentos muito densos, “compete com as plantas nativas pelos recursos”, nomeadamente pela água, e “altera o funcionamento do solo”. Uma má notícia para as espécies autóctones, “que se adaptaram a características do ecossistema”.

Há vários anos que um pouco por todo o país se tenta controlar o avanço da mimosa. O método utilizado tem sido o corte da árvore. Mas sem grandes casos de sucesso para contar. Elisabete Marchante, investigadora do Centro de Ecologia Funcional daquela universidade, acredita que há coisas a melhorar. “A bem da eficácia, seria necessário aplicar sempre um herbicida para matar a raiz, o mais rapidamente possível a seguir ao corte da árvore. Mas nem sempre isso é feito.”

Mas mais grave é a falta de um controlo de continuidade. “Tentar controlar uma mancha de mimosas requer um acompanhamento que pode durar vários anos. Deve voltar-se várias vezes para controlar a germinação, que nunca deve ser uma operação a curto prazo.” De facto, esta árvore rebenta vigorosamente após o corte e “estes métodos nunca garantem que a mimosa não volte a germinar”. A missão torna-se quase impossível quando a mancha é de grande dimensão.

Os vários tipos de controlo de exóticas invasoras estão descritos na legislação desde 1999. Mas trata-se “apenas de linhas gerais, nada dedicado a cada espécie”. As pessoas foram tomando consciência de que esta bonita árvore é também perigosa: “Há casos de sucesso em que as pessoas se têm esforçado por não abandonar o controlo. Mas ainda há muito trabalho a fazer.”

Os últimos airos das Berlengas

As falésias rochosas das ilhas Berlengas, que albergam a única colónia do país de airos (Uria aalge), assistem ao desaparecimento desta ave marinha. Em 1995 restavam apenas 34 indivíduos de uma população que chegou a ter seis mil casais no início do século XX. Hoje, são avistadas “apenas oito a dez aves, que não se sabe ao certo se nidificam nas Berlengas”, contou Pedro Geraldes, especialista em aves marinhas da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).

Escolhida como símbolo da Reserva Natural das Berlengas, esta espécie tem sofrido uma regressão drástica e hoje está classificada como Criticamente em Perigo pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Este estatuto tem poucas hipóteses de vir a mudar nos próximos tempos e o arquipélago, que representa o limite a sul da distribuição da espécie na Europa, poderá deixar de o ser.

Nem mesmo a criação da reserva das Berlengas, em 1981, conseguiu travar o seu declínio, cujas causas ainda não estão preto no branco. “Existem várias possibilidades, como as artes de pesca (principalmente a rede de emalhar), o aquecimento global, a diminuição dos stocks piscícolas e a pressão das gaivotas. Mas o problema é que ainda não se conseguiu definir a causa principal”, disse o biólogo.

Fazendo lembrar um pequeno pinguim, o airo passa a maior parte do tempo na superfície da água, de onde mergulha em busca das suas presas. Esta situação acaba por tornar a ave particularmente susceptível às redes de pesca.

E os seus “vizinhos” nas Berlengas também não ajudam, especialmente a gaivota-de-patas- amarelas (Larus cachinnans), que compete com o airo nas pescarias e pode mesmo ser um predador dos juvenis. Em meados dos anos 90, a Operação Larus tentou reduzir a população das gaivotas, mas sem sucesso duradouro. “Com tantas gaivotas na ilha, não há grandes condições para o airo. Nunca houve regras para o proteger, nem um esforço directo. Nem sequer se tentou, assumiu-se logo o declínio.”

Hoje não se sabe se esta colónia terá possibilidades de algum dia vir a recuperar. “Quando uma população atinge um nível muito baixo de indivíduos deixa de ser viável, tornando-se muito sensível à predação.”

Lagoas temporárias em silêncio

Se a biodiversidade que passa despercebida aos nossos olhos tivesse um símbolo, as lagoas temporárias seriam um bom candidato. Estes corpos de água de pequena dimensão estão dispersos por campos agrícolas ou bosques um pouco por todo o país. A sua principal característica é encherem-se no período das chuvas e secarem no Verão. No entanto, esta inconstância não impediu a União Europeia de considera-las um dos habitats prioritários para a conservação da natureza. Nelas vivem espécies de plantas e de animais especializadas, muitas delas raras e do tempo dos dinossauros. Como o pequeno crustáceo Triops cancriformis – cujos ovos podem permanecer “adormecidos” nos sedimentos secos das lagoas durante anos – ou o camarão-fada. Este animal existe apenas numa lagoa em todo o Reino Unido. Ambas as espécies, com as suas formas, fazem lembrar os seres descobertos nas profundezas dos oceanos, raramente vistos e conhecidos. É um pequeno mundo de invertebrados, mas também de sapos, rãs e tritões, que apenas sobrevive porque estas lagoas não têm predadores, neste caso, peixes. E não têm peixes porque secam no Verão.

Mas os últimos 20 anos não têm sido favoráveis às lagoas temporárias. Segundo Pedro Beja, biólogo do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO), são habitats que “passam por um processo de destruição muito rápido”, sendo drenadas e terraplenadas, principalmente por causa da intensificação da agricultura e das construções urbanas. “Estão a desaparecer pouco a pouco e sem ninguém dar por isso.”

As lagoas temporárias mais bem estudadas estão no litoral alentejano. Em 1991, o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina fez um primeiro inventário. Foram encontradas, com a ajuda de fotografia aérea, 295 lagoas. “Em 2009 voltámos aos mesmos locais. O que lhes aconteceu foi catastrófico”, comentou. Desapareceram 45 por cento. E Pedro Beja pormenoriza: a taxa de desaparecimento fora do parque natural foi de 16 por cento; dentro da área protegida foi de 47. “O estudo mostrou que nem por estarem em parques naturais são protegidas. São um habitat que sofre com um fracasso das estratégias de conservação”. Esta história “ilustra a perda, quase sem se dar por isso, de uma biodiversidade que estava em todo o lado”.

O adeus à águia-pesqueira

O século XX traçou uma rota de declínio para a águia-pesqueira (Pandion haliaetus) em Portugal. Foi um caminho sempre descendente que terminou em 1997 com a morte da última fêmea, enrolada numa rede de pesca.

A espécie chegou a nidificar desde a costa rochosa da Estremadura (possivelmente Pinhal de Leiria) até à costa sul algarvia (zona de Albufeira). O declínio começou no início do século XX, marcado pela campanha do Estado contra os animais tidos como nocivos, de 1938 a 1967. A águia-pesqueira estava na lista dos animais a abater. Mas depressa se percebeu que a espécie estava a desaparecer do país. Nos anos 70 existiam três casais a nidificar e em 1992 apenas um. Em 1997, o biólogo Pedro Beja, então no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, recuperou o corpo da última fêmea, morta, num ninho das falésias, com a ajuda de um helicóptero da Marinha. O macho acabou por desaparecer em 2002.

Apesar da espécie ter beneficiado da criação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano em 1995, “nunca houve um projecto de recuperação activa” da espécie. A primeira tentativa só começou em 1997, “quando se avaliaram as condições para uma possível reintrodução da águia pesqueira”, contou Pedro Beja, hoje investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, na Universidade do Porto. Mas esta não foi uma história de sucesso. “Em 1997 foi construída a infra-estrutura para receber o projecto, no concelho de Vila do Bispo, estabelecidos contactos com eventuais dadores [de Finlândia, Escócia, Alemanha e Córsega] e havia apoio por parte das entidades” responsáveis. A reintrodução da águia-pequeira em Portugal chegou a ser considerada o projecto mais importante para a conservação da espécie no Mediterrâneo.

Mas tudo parou em 1998 quando mudou “a presidência do Instituto de Conservação da Natureza”, contou. “O projecto só precisava de uma decisão política e dos pedidos formais aos países dadores”, notou. Algo que nunca aconteceu. Em 1999, os responsáveis desistiram do projecto. “O fracasso da águia-pesqueira é também o fracasso da comunicação das questões de conservação da natureza. É preciso comunicar o interesse e o valor das espécies.”

Fonte: Público

3 comentários:

Anónimo disse...

abutres
linces ibéricos
grifos
águias

etc

Anónimo disse...

Morreram os dois linces talvez com apenas o pensamento de fazerem parte do projecto do ICNB...

JMSC

Fernando Encarnação disse...

Infelizmente faleceram as duas crias, já eram tugas, algo correu mal, foi curioso mas Azahar e Drago, conseguiram dar à luz vida, por pouco tempo mas conseguiram, vamos troçar para que esse projecto continue e que se consiga manter os futuros recém nascidos.