A 11.ª praga do Egipto


E, de repente, o paraíso dos banhistas e mergulhadores transformou-se num refeitório para tubarões. Enquanto os cientistas procuram respostas para os ataques em Sharm el-Sheikh, Israel já teve de garantir publicamente que não se trata de uma acção dos seus serviços secretos.

A vida decorre tranquila numa estância balnear, até que, um dia, uma série de ataques de tubarão lança o pânico na região. As autoridades tentam conter os danos, mas, logo a seguir, regista-se a primeira morte. Nessa altura, o alerta geral é dado e, enquanto os turistas são proibidos de entrar no mar, especialistas vindos de fora tentam perceber o que se passa.

Parece a sinopse do velho clássico Tubarão, mas é exactamente o que se passou na última semana em Sharm el-Sheikh, Egipto, uma das mais afamadas estâncias balneares e de mergulho do mundo. O primeiro susto já tinha acontecido dias antes, com os ataques a três turistas russos e um ucraniano, mas foi no domingo, dia 5, que a situação ganhou o dramatismo que nos traz à cabeça as imagens do filme de Steven Spielberg. O corpo de uma turista alemã de 70 anos deu à costa, com a perna direita dilacerada por dentadas de tubarão.

A cena foi horrível. "A água borbulhava como numa máquina de lavar. Eu andava aos tombos por entre o sangue. O tubarão continuava a golpear e a morder aquela pobre mulher e eu mal conseguia manter-me à superfície", relatou ao jornal The Guardian uma turista, Ellen Barnes, que estava na água quando se deu o ataque fatal. Mas isto não representou apenas uma escalada na violência: quando aconteceu, já a opinião pública estava a ser convencida de que os culpados tinham sido apanhados.

O turismo é uma fonte de receita essencial para o Egipto - emprega 11 por cento da população activa e, este ano, espera-se que faça entrar no país cerca de 8,8 mil milhões de euros. Dois terços deste total são gerados pelas estâncias balneares, contabiliza o Guardian. Por isso, não espanta que os ataques iniciais tenham dado origem a uma maciça caça ao tubarão nas águas do Mar Vermelho. A televisão egípcia divulgou imagens da captura de pelo menos um dos dois tubarões-de-pontas-brancas que teriam molestado os turistas.

Não eram eles. Ou, pelo menos, não eram apenas eles. E lá se vão as semelhanças com o filme, onde a vaga sangrenta se devia apenas a um tubarão "psicopata"... Especialistas internacionais apontam agora para a hipótese de haver outra espécie envolvida nesta vaga sangrenta: o tubarão-mako. E aqui a trama, como em qualquer filme de suspense, adensa-se. Tanto o pontas-brancas como o mako são tubarões de mar aberto e, por isso, raramente são vistos perto da costa. Por que razão estariam eles agora a caçar em águas pouco profundas, atacando, ainda por cima, seres humanos?

Assassinos ou vítimas?

Não são, propriamente, meninos de coro: os pontas-brancas são mesmo considerados os maiores responsáveis por mortes humanas no mar devidas a ataques de tubarão. Mas não em episódios individuais. Por causa da sua abundância e agressividade, eram eles que dizimavam os marinheiros que sobreviviam ao afundamento dos seus vasos de guerra durante a Segunda Guerra Mundial.

Muitos mergulhadores relatam episódios em que se viram na presença de tubarões-de-pontas-brancas, sem que se tenham sentido ameaçados. Mas reconhecem que se trata de uma espécie com um comportamento menos tímido do que a generalidade dos tubarões. Isto pode dever-se ao facto de habitarem águas muito despovoadas, em que qualquer presa potencial deve ser considerada. E se os mergulhadores, com fatos vestidos e uma noção apurada do que se passa em seu redor, são relativamente fáceis de identificar, já os banhistas e as pessoas que observam recifes com máscara - e que chapinham à superfície - são mais susceptíveis de serem confundidos com presas.

Com um comprimento que pode atingir os quatro metros, os pontas-brancas são um predador formidável, mas não são eles que atacam banhistas e surfistas. Pelo menos até aqui. As notícias e imagens dramáticas que de vez em quando nos chocam são, normalmente, protagonizadas por espécies como o tubarão-branco, o tubarão-tigre ou o tubarão-touro. A questão, portanto, é perceber por que razão andam eles em águas costeiras, fora do seu habitat natural.Um pouco mais pequeno (até 3,2m), o mako é também susceptível de atacar humanos, mas é raro no Mar Vermelho. Em qualquer dos casos, porém, a balança tem pendido muito para o lado da espécie que domina o planeta. Outrora muito abundante, o tubarão-de-pontas-brancas tem agora o estatuto de "vulnerável" porque é o favorito dos gourmets para a sopa de barbatana de tubarão. Quanto ao mako, pela sua velocidade e capacidade para saltar fora de água, é considerado um valioso troféu de pesca desportiva.

Um relance do futuro

A sua presença nestas águas costeiras pode significar que encontram aqui a comida que a sobrepesca lhes roubou em alto-mar, mas há ainda outras explicações possíveis: diz-se que um cargueiro terá, recentemente, lançado ao mar várias carcaças de ovelhas mortas durante uma viagem pela zona, o que atrairia os predadores. Ou que os tubarões, devido à massificação do turismo, estariam a habituar-se à presença contínua de pessoas na água e o seu comportamento começava a passar do medo para a curiosidade (e, nesse caso, quaisquer objectos brilhantes, como jóias, poderiam atrair a sua atenção).

Ou ainda que os serviços secretos israelitas, a mítica Mossad, teriam lançado no Mar Vermelho um tubarão assassino para atacar a indústria turística do Egipto. Seria assim uma espécie de 11.ª praga, depois das dez que Deus, segundo a tradição judaico-cristã, fez cair sobre o povo do Nilo. Parece coisa para rir, mas o Médio Oriente não é sítio para brincadeiras e de Israel já vieram desmentidos formais.

Até porque os rumores iniciais acabaram por ter eco oficial. "Dizem que a Mossad soltou um tubarão assassino no Mar Vermelho para dar um golpe no turismo do Egipto. Não descartamos essa hipótese, precisamos de tempo para confirmar estas denúncias", avançou, em declarações à agência Reuters, o governador do Sul do Sinai, Abdel Fadil Shousha. Em Israel, a reacção não tardou: "Parece-me que os funcionários egípcios andaram a ver demasiadas vezes o filme Tubarão. A Mossad tem muitos assuntos bem mais importantes pela frente do que enviar tubarões para os vizinhos", confidenciou ao jornal El Mundo um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Seja como for, e enquanto mergulhadores, pescadores e cientistas tentam perceber o que se passa e os ecologistas receiam uma escalada no morticínio de tubarões, os banhistas vêem-se agora forçados a olhar para as quentes águas do Mar Vermelho sem poderem, sequer, molhar os pés, relata a BBC online. "Os turistas mantêm as suas actividades nos hotéis, podem continuar a embarcar nos barcos com fundos transparentes e a fazer excursões em terra. Podem fazer tudo menos tomar banho e mergulhar na área delimitada", enunciou o porta-voz das autoridades locais.

Talvez o susto passe e os turistas esqueçam rapidamente os ataques (em Portugal, agências contactadas pelo P2 não notaram qualquer oscilação na procura de um destino que, no mercado nacional, é relativamente marginal). Mas há quem receie que esta vaga de ataques tenha sido apenas um relance do que nos espera no futuro.

Fonte: Público

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