Reestruturação do ICN poderia ter sido feita sem mudar o nome original, sintético, coerente, expressivo e mais correcto
O Presidente da República encorajou, no seu discurso do 25 de Abril, os jovens a não se resignarem. Já não sou jovem, mas escrevo porque não me resigno com a mudança de nome do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) para Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 136/07.
Biodiversidade é uma forma de dizer, numa só palavra, diversidade biológica, ou seja, o conjunto dos seres vivos. É, para muitos, a parte mais visível da natureza, mas não é, seguramente, a mais importante. Outra parte, com idêntica importância, é a geodiversidade, sendo esta entendida como o conjunto das rochas, dos minerais e das suas expressões no subsolo e nas paisagens.
No meu tempo de escola ainda se aprendia que a natureza abarcava três reinos: o reino animal, o reino vegetal e o reino mineral. A biodiversidade abrange os dois primeiros, e a geodiversidade o terceiro. Estando assente, e bem, que biodiversidade é parte integrante da natureza, a designação agora decretada para este importante organismo do Estado é, no mínimo, desnecessária e redundante.
Esta redundância vem de trás. Ficou consagrada em 2001 na Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, na sequência da Convenção sobre a Diversidade Biológica (Conferência do Rio, 1992).
O nome vem daí, mas custa-me a crer que, num organismo onde trabalham mais de quarenta biólogos e uma quinzena de arquitectos paisagistas, ninguém tenha chamado a atenção do legislador para esta aparente ingenuidade que, cientificamente, raia o ridículo - a menos que alguém me explique aquilo que me parece inexplicável. Está fora de causa qualquer juízo crítico à reestruturação deste instituto, mas ela poderia ter sido feita sem mudar o nome original, que era sintético, coerente, expressivo e, por isso, mais correcto.
Retirar a biodiversidade da natureza é o mesmo que retirar o sobreiro do conjunto das árvores, o bacalhau do dos peixes, o papagaio do das aves, os morcegos do dos mamíferos, os jornais do da comunicação social e por aí adiante, num nunca mais acabar de exemplos disparatados.
Ao enfatizar a componente biológica, a nova designação do ex-ICN torna mais evidente a subestima que, lamentavelmente, a nossa administração tem manifestado pelos valores da geologia. Como se a paisagem e a civilização não dependessem do substrato geológico.
Os governantes deveriam estar mais elucidados sobre o papel da geodiversidade na civilização moderna, na prospecção e exploração das matérias-primas metálicas e não metálicas, dos combustíveis fósseis e nucleares, das águas subterrâneas, para não falar no conhecimento dos riscos sísmico e vulcânico ou no dos terrenos sobre os quais se edificam barragens, pontes e outras grandes obras de engenharia.
É que, apesar de na quinta das 10 opções estratégicas aprovadas em 2001 se propor "desenvolver em todo o território nacional acções específicas de conservação e gestão de espécies e habitats, bem como de salvaguarda e valorização do património paisagístico e dos elementos notáveis do património geológico, geomorfológico e palentológico", nem o decreto-lei que lhe deu seguimento, nem a Portaria n.º 530/07, que lhe fixa os estatutos, têm um artigo, uma alínea, uma palavra referente à componente geológica da natureza.
Mas tem meia centena de referências à biodiversidade. Esta pouquíssima importância dada à geodiversidade por este instituto fica, aliás, bem demonstrada pelo número de geólogos que ali trabalham, menos do que os dedos de uma mão entre 180 técnicos superiores.
Que país é este que tem na geodiversidade (mármores, granitos, cobre, zinco, volfrâmio, estanho) a maior fonte de riqueza e a subestima na instituição que seria suposto zelar por ela?
É o mesmo país que extinguiu, em 2003, o Instituto Geológico e Mineiro.
Valha-nos Santa Bárbara!
A.M. Galopim de Carvalho
Geólogo
Fonte: Público (5/5/2007)
O Presidente da República encorajou, no seu discurso do 25 de Abril, os jovens a não se resignarem. Já não sou jovem, mas escrevo porque não me resigno com a mudança de nome do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) para Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 136/07.
Biodiversidade é uma forma de dizer, numa só palavra, diversidade biológica, ou seja, o conjunto dos seres vivos. É, para muitos, a parte mais visível da natureza, mas não é, seguramente, a mais importante. Outra parte, com idêntica importância, é a geodiversidade, sendo esta entendida como o conjunto das rochas, dos minerais e das suas expressões no subsolo e nas paisagens.
No meu tempo de escola ainda se aprendia que a natureza abarcava três reinos: o reino animal, o reino vegetal e o reino mineral. A biodiversidade abrange os dois primeiros, e a geodiversidade o terceiro. Estando assente, e bem, que biodiversidade é parte integrante da natureza, a designação agora decretada para este importante organismo do Estado é, no mínimo, desnecessária e redundante.
Esta redundância vem de trás. Ficou consagrada em 2001 na Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, na sequência da Convenção sobre a Diversidade Biológica (Conferência do Rio, 1992).
O nome vem daí, mas custa-me a crer que, num organismo onde trabalham mais de quarenta biólogos e uma quinzena de arquitectos paisagistas, ninguém tenha chamado a atenção do legislador para esta aparente ingenuidade que, cientificamente, raia o ridículo - a menos que alguém me explique aquilo que me parece inexplicável. Está fora de causa qualquer juízo crítico à reestruturação deste instituto, mas ela poderia ter sido feita sem mudar o nome original, que era sintético, coerente, expressivo e, por isso, mais correcto.
Retirar a biodiversidade da natureza é o mesmo que retirar o sobreiro do conjunto das árvores, o bacalhau do dos peixes, o papagaio do das aves, os morcegos do dos mamíferos, os jornais do da comunicação social e por aí adiante, num nunca mais acabar de exemplos disparatados.
Ao enfatizar a componente biológica, a nova designação do ex-ICN torna mais evidente a subestima que, lamentavelmente, a nossa administração tem manifestado pelos valores da geologia. Como se a paisagem e a civilização não dependessem do substrato geológico.
Os governantes deveriam estar mais elucidados sobre o papel da geodiversidade na civilização moderna, na prospecção e exploração das matérias-primas metálicas e não metálicas, dos combustíveis fósseis e nucleares, das águas subterrâneas, para não falar no conhecimento dos riscos sísmico e vulcânico ou no dos terrenos sobre os quais se edificam barragens, pontes e outras grandes obras de engenharia.
É que, apesar de na quinta das 10 opções estratégicas aprovadas em 2001 se propor "desenvolver em todo o território nacional acções específicas de conservação e gestão de espécies e habitats, bem como de salvaguarda e valorização do património paisagístico e dos elementos notáveis do património geológico, geomorfológico e palentológico", nem o decreto-lei que lhe deu seguimento, nem a Portaria n.º 530/07, que lhe fixa os estatutos, têm um artigo, uma alínea, uma palavra referente à componente geológica da natureza.
Mas tem meia centena de referências à biodiversidade. Esta pouquíssima importância dada à geodiversidade por este instituto fica, aliás, bem demonstrada pelo número de geólogos que ali trabalham, menos do que os dedos de uma mão entre 180 técnicos superiores.
Que país é este que tem na geodiversidade (mármores, granitos, cobre, zinco, volfrâmio, estanho) a maior fonte de riqueza e a subestima na instituição que seria suposto zelar por ela?
É o mesmo país que extinguiu, em 2003, o Instituto Geológico e Mineiro.
Valha-nos Santa Bárbara!
A.M. Galopim de Carvalho
Geólogo
Fonte: Público (5/5/2007)
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