Marinha ignora governo e avança para fórum das guardas costeiras


Portugal foi convidado, através da GNR, para assumir presidência do fórum das guardas costeiras europeias. Militares avançaram sem informar quem de direito

A Marinha criou um "grupo estratégico" para a presidência do organismo que junta as guardas costeiras (GC) da UE e no Espaço Schengen, sem ter competências nesse domínio e à revelia do Ministério da Administração Interna (MAI).

O Fórum dos Comandantes das Guardas Costeiras da UE e dos países associados ao Espaço Schengen (ECGFF, sigla em inglês) destina-se a promover o conhecimento e desenvolvimento dos assuntos marítimos relevantes nesse âmbito - onde agora sobressai, a nível político e por causa da crise dos refugiados, a proposta de Bruxelas para criar uma GC com poder de intervenção nos Estados membros quando um deles "não puder ou não tomar as medidas necessárias" à garantia da segurança das fronteiras europeias.
Atuando o ECGFF no âmbito da segurança interna, onde a Marinha não tem autoridade ou exerce quaisquer competências fora do estado de sítio por ser ramo militar, Portugal foi convidado - em maio de 2015 - a assumir a presidência em 2016/17, através de uma carta enviada pela presidência finlandesa à GNR, soube o DN junto de fontes envolvidas no processo.

Contudo, o Ministério da Administração Interna (MAI) - que tutela a GNR - só "teve conhecimento deste processo unicamente através do convite que o gabinete do chefe [da Marinha] dirigiu, no passado dia 17 de fevereiro, à GNR para participar" no referido grupo estratégico.

"Não foi solicitado ao MAI qualquer parecer sobre o assunto em causa, desconhecendo este Ministério os termos em que foi constituído este grupo estratégico, liderado pela Marinha, porquanto a GNR é membro efetivo do ECGFF [e] e por direito" (ao contrário da Marinha), informou o gabinete da ministra Constança Urbano de Sousa - doutorada em Direito.

Nem a Marinha nem o Ministério da Defesa responderam ao DN.

O Ministério do Mar, que tem competências partilhadas com o Ministério da Defesa por este ser o departamento que tutela a Autoridade Marítima Nacional (AMN), respondeu ao DN que "o assunto em causa não é matéria de segurança marítima mas sim de controlo e fiscalização da fronteira externa da UE". Nesse sentido, enfatizou o gabinete da ministra Ana Paula Vitorino, "está a ser analisado no âmbito do Conselho de Ministros de Justiça e Administração Interna da UE e é, a nível nacional, da competência da ministra da Administração Interna".

Segundo uma das fontes, a GNR contactou a Direção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM) após receber o convite do ECGFF "para articular uma resposta nacional". Porém, aquela estrutura "não respondeu", limitando-se a dizer que encaminhara o assunto "para a Marinha".

A GNR tentou depois contactar a Marinha mas ficou sem resposta - e "optou por responder sozinha" ao ECGFF, adiantou esta fonte.

Lendo o despacho de 22 de janeiro deste ano do chefe do ramo militar, criando o referido grupo de trabalho, descobre-se que, "em setembro de 2015, a Marinha e a AMN manifestaram interesse e disponibilidade para Portugal assumir a presidência do ECGFF entre setembro de 2016 e setembro de 2017".

Recorde-se que, a propósito da presidência do Fórum das GC do Atlântico Norte, o DN noticiou em 2012: "Marinha assume funções de Guarda Costeira não previstas na lei" - pelo que a GNR "rejeitou o convite para participar nas atividades" previstas.

Dois anos depois, uma iniciativa do fórum de instituições com responsabilidades de GC no Mediterrâneo realizada no Algarve foi organizada pela "AMN e a GNR"- conforme notícia divulgada pela Marinha.

Foi por "este precedente", frisou o MAI, que "a GNR disponibilizou-se para assumir a presidência do ECGFF 2016/2017 em conjunto com a DGAM", uma estrutura civil do Estado que depende do ministro da Defesa e, quando necessário, usa os meios militares da Marinha - que insiste em mandar na AMN, perante a passividade do poder político e quando o ministro da Defesa é professor de Direito.

Comissão propõe Guarda Costeira e de Fronteiras

Os problemas de segurança na UE, criados pela vaga de refugiados e migrantes dos últimos meses, levou Bruxelas a propor a transformação da Agência de Fronteiras europeia (FRONTEX) numa Guarda Costeira e de Fronteiras (GCF) com poderes para intervir sem autorização dos países da União. A medida seria aplicada em último recurso e "quando um Estado membro não puder ou não tomar as medidas necessárias" para evitar e combater a insegurança no espaço Schengen , sublinhou a Comissão Europeia. Contudo, estão em causa - para países como Espanha e Itália - questões de soberania dos Estados sobre as respetivas fronteiras terrestres e marítimas. A GCF poderá ter um fundo de 322 milhões de euros em 2020 e um efetivo de 1500 guardas. A sua aprovação depende do apoio do Conselho Europeu e do Parlamento Europeu.

Fonte: DN

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