Pequenas grandes pescas

A propósito da entrada Férias x Portaria n.º 143/2009 de 5 de Fevereiro surgiram vários comentários de opinião, aos seus intervenientes deixo o meu agradecimento, entretanto através do PDF, http://www.ciemar.uevora.pt/divul/A10.pdf enviado por um leitor deste blog, um estudo de 2 anos (1994 - 1996) de autoria de João J. Castro (Biólogo marinho, Pólo de Sines da Universidade de Évora), com a seguinte redacção:

Artigo para o Jornal “Sudoeste”

Título: Pequenas grandes pescas
Autor: João J. Castro (Biólogo marinho, Pólo de Sines da Universidade de Évora)
Texto: É normal falar-se de pequena pesca quando se trata da que é feita a bordo de pequenas embarcações, geralmente de convés aberto e equipadas com motores pouco potentes. Tendo estas embarcações um pequeno alcance, e sendo-lhes permitido, por lei, afastar-se pouco da costa, este tipo de pesca é, também, chamado local.

Ora, pretendo falar-vos aqui de uma pesca ainda mais pequena, pois raramente são nela usadas embarcações, e ainda mais local, pois nem sequer se afasta da costa, apesar de continuar a ser marinha. Trata-se da que é feita com os pés assentes em terra e, na maioria das vezes, na zona das marés de litorais rochosos. Neste caso, são geralmente escolhidos os dias de marés ou de águas vivas, em que a amplitude da maré é maior. Não se levam para esta pesca redes de emalhar nem de cerco, e raramente se utilizam aparelhos de anzol ou covos. Geralmente, leva-se um bicheiro, um xalavar e um balde, mas também se pode levar uma cana com linha e anzol, uma arrelhada, uma faca ou, simplesmente, um saco, para guardar o que se consegue apanhar com as mãos.

E o que se apanha são polvos, percebes, peixes, caranguejos, ouriços, lapas, mexilhões, caramujos e burriés. Destas presas, umas também se capturam na tal pequena pesca, ou pesca local. Continuando este jogo das diferenças, a pesca ainda mais pequena e ainda mais local, chamemos-lhe, por exemplo, a micro-pesca, não é objecto de qualquer controlo legal, exceptuando casos pontuais, como certas áreas protegidas ou portuárias. Isto é, pode-se micro-pescar em qualquer lado, da maneira que se quiser e quando assim for, e o que se apanha pode ser vendido em qualquer sítio e a qualquer preço, sem qualquer imposto ou obrigação fiscal. As diferenças são óbvias, tendo em conta que a tal pequena pesca faz parte da pesca dita comercial, que é sujeita a diversos regulamentos, tanto nas operações de captura, como nas de compra e venda.

Até aqui, tudo estaria bem, se não fossemos falar com as pessoas que fazem estas pescas. Se o fizermos, o coro de descontentamentos é geral, o que varia é a explicação: “cada vez se pesca menos e com menores tamanhos”, “não se sabe onde isto vai parar”, “isto não tem futuro para ninguém”, etc.. Quanto às explicações: “a culpa é dessas redes todas postas mesmo à borda d’água”, “se não houvesse esgotos e navios a poluir...”, “estas leis feitas em gabinetes...”, “colhe-se e não se semeia”, “cada vez anda mais gente à maré”, “apanham-se polvos que quase não se vêem”, etc...

E é este o panorama actual, mesmo na pesca comercial, sujeita a inúmeros regulamentos, supostamente feitos com base em inúmeros estudos científicos, e dependente de inúmeras decisões políticas, que têm pesado inúmeros factores biológicos, sociais e económicos. Se é assim nesta regulamentada e controlada actividade, não nos podemos admirar com o que acontece com a tal micro-pesca, para as quais estas preocupações têm as costas voltadas.

O problema é que as costas estão tão voltadas, que nem sequer se sabe o que está a acontecer, para além das queixas dos intervenientes. Com efeito, não existem quaisquer estatísticas desta micro-pesca, nem sequer se tem uma ideia da sua importância sócio-económica.

Movidos por esta ausência de informação, iniciámos em 1994 um programa de estudo sobre estas actividades de exploração de recursos vivos da zona das marés. Numa análise dos primeiros resultados, obtidos durante dois anos consecutivos, pudemos constatar que estas actividades são intensas na costa alentejana, e que a sua importância relativa é comparável à da referida pesca comercial, podendo mesmo ser maior. Com efeito, obtivemos valores globais médios de 3 a 14 toneladas por quilómetro quadrado, e por ano, de peixe e marisco capturado na zona de marés do litoral rochoso alentejano. Com base no pescado descarregado nas lotas alentejanas entre 1990 e 1997, a respectiva taxa de exploração da pesca comercial é de cerca de 5.5 toneladas por quilómetro quadrado e por ano.

Esta micro-pesca é, afinal, uma pequena grande pesca, que deveria ser alvo de maior atenção, tendo em conta a sua importância. Apesar de ser tradicional e tipicamente desenvolvida como passatempo ou recreação, contribui para a subsistência de muitas pessoas residentes nesta região, tanto em termos de consumo alimentar directo, como de complemento económico.
Não havendo qualquer controlo e gestão destas actividades, e tendo em conta o aparente decréscimo das capturas e o aumento do esforço de exploração, é urgente a aplicação de medidas de conservação que permitam a utilização sustentável destes recursos. Estas medidas deverão envolver a aplicação e revisão da legislação existente, no âmbito de um programa global de conservação e gestão integrada da zona costeira.

Neste enquadramento, a criação de reservas marinhas pode dar um importante contributo, não só recuperando populações exploradas ou perturbadas mas, também, desenvolvendo o turismo, a recreação, a ciência e a educação, e constituindo uma referência para a implementação de um programa mais vasto de conservação do meio marinho.

Na nossa costa, a existência do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, com uma faixa marinha de dois quilómetros em toda a sua extensão, é uma oportunidade que não deveria ser desperdiçada para a implementação de tais programas de conservação.
De qualquer modo, está nas mãos de todos nós a protecção do meio marinho, não só para que se possa continuar a pescar mariscos e peixes mas, também, para que a beleza e a riqueza deste meio possam continuar a ser apreciadas por muitos e muitos anos.

6 comentários:

Fernando Encarnação disse...

Se bem que foi um artigo a ser publicado num jornal local, existe com certeza várias características de estudo, salientando que provavelmente terá existido:

- Identificação do problema ou situação
- Recolha de dados
- Crítica dos dados
- Apresentação dos dados
- Analise e interpretação dos dados

(Por outro lado a população ou universo e a amostra, poderá não ter sido o mais correcto, será que não deveria ter sido abrangente a toda a area geografica do PNSACV, então porque terá sido realizado apenas na zona do litoral alentejano?)

"Com efeito, obtivemos valores globais médios de 3 a 14 toneladas por quilómetro quadrado, e por ano, de peixe e marisco capturado na zona de marés do litoral rochoso alentejano. "

A norte de Sines não existe extensão de maciço rochosos, logo não há idas à maré, da Ilha do Pessegueiro para Sul até ao malhão também não existe condições para fazer a maré, do Malhão até Odeceixe existem essas condições.

"Com base no pescado descarregado nas lotas alentejanas entre 1990 e 1997, a respectiva taxa de exploração da pesca comercial é de cerca de 5.5 toneladas por quilómetro quadrado e por ano."

- Gostaria de propor dois novos levantamento de estudo no PNSACV, na altura do defeso do sargo quantas toneladas de sargos são capturados pela PEQUENA PESCA nesse período de defeso e protecção da espécie para a PEQUENA GRANDE PESCA.

- A avaliação do perceve antes-durante-depois das campanhas dos mariscadores profissionais, porque o panorama que tenho observado e me tem sido relatado por outras pessoas não me parece que vá de encontro com as medidas tomadas na anterior legislação.

Creio que estes dois estudos só viriam comprovar que as legislações e medidas restritivas não vem beneficiar as espécies apenas porque não existe fiscalização nem legislação que beneficie a defesa das espécies sem lobbys.

Ainda gostaria que alguem me esplicasse o porque de:

- Não haver um defeso para o sargo pelos profissionais (pelo menos na zona do PNSACV - área unica implementada para defeso do sargo a novel nacional pela pesca lúdica)

- Porque não existe fiscalização na zona do PNSACV na altura do verão e ela aparece em força depois desse período?

- Porque razão nas zonas de Protecção das zonas marinhas do PNSACV é permitido a actividade do marisqueiro profissional, não deveriam ser essas zonas limitadas a qualquer intervenção extractiva?

Anónimo disse...

Caro Sargus,

Será que este estudo foi publicado numa revista científica ? A forma como ele nos é apresentado no jornal do Sudoeste suscita muitas interrogações. Alguns exemplos: qual foi área abrangida no estudo ? A totalidade da costa alentejana ? De que forma o autor chegou aos valores apresentados (3 a 14 toneladas por quilómetro quadrado) ? Como foi feita a colheita de dados ? etc. etc.
A ausência destas e de outras informações fragiliza o estudo em causa, impedindo que aceitemos os seus resultados como representativos de uma realidade.

Cumprimentos,
Mário Pinho

Anónimo disse...

Não percebe?

É simples, uns compraram pedaços de mar e exploram-no!
Quem mais lá puser o pé (ou barbatana) é ladrão de recursos.
Não é isto que dizem ou insinuam?

Portanto, vamos a analisar a propriedade e a posse do mar!!!

Por outro lado,
Sim, sim, façam estudos, mas credíveis, com regras, bom senso, cruzamento de dados e abstenção de protagonismos bacocos.. .
Agora se extrapolarem e puserem o perito em pescas senhor Sargus (nem precisa da ajuda dos outros peritos amigos) a pescar 8 ou 10 horas por dia, claro que no final do ano, ignorando as marés e as oxigenações e as aguadas, ele arranca ao mar e ao sustento dos outros amadores e profissionais, milhares de toneladas de pescado.

Solução: prendam os "Sargus" e os seus amigos que de cada vez que vão ao mar, é uma carrada de peixe.

Vamos a ser sérios nos estudos, está bem?
Ernesto Coimbra

João Carlos Claro disse...

Caros amigos

Agradeço as opiniões sobre artigo publicado no Diário de Notícias em 13.10.2007:

"Na raia espanhola a captura desenfreada de percebes obrigou os mariscadores a interromperem a actividade durante seis anos. Aconteceu nos anos 80 mas os mariscadores galegos não esqueceram essa fase e aprenderam com o erro. As confrarias decidiram organizar o sector tornando-o um exemplo que a Associação dos Mariscadores da Costa Vicentina e Sudoeste Alentejano (AMCVSA) admite seguir agora, confrontada com o abrupto desaparecimento daquela espécie.
O sinal vermelho, dado há um ano, agudizou-se nos últimos dois meses e receia-se que a época de defeso - de 15 de Setembro e 15 de Junho - não chegue para recuperar a população. Para que o cenário dos anos 80, na Galiza, não se repita no Litoral Alentejano e Costa Vicentina, urge lançar regras de coordenação. As quantidades diárias que cada mariscador pode apanhar é um dos temas que vai agora ser analisado. Nesta altura em Portugal é permitida a captura de 20 quilos de percebes, que podem ser vendidos fora das lotas, desde que haja autorização da Direcção-Geral das Pescas, cabendo aos próprios mariscadores estabelecer o preço. Em Pontevedra, na Galiza, a venda só é admitida nas lotas, enquanto cada marisqueiro só pode apanhar quatro quilos.
Os preços andam pelos 50 a 70 euros o quilo, podendo chegar aos cem euros em dias de menos oferta. Já do lado português, o consumidor consegue adquirir um quilo de percebes a partir de 15 euros.
A bióloga Dora de Jesus, da AMCVSA, estima que para garantir a sustentabilidade os mariscadores portugueses não deveriam capturar além dos dez a 15 quilos diários, admitindo que a área de captura é muito considerável, dando uma média de um quilómetro de costa por cada um dos 80 marisqueiros registados.
Na Galiza, 60 pessoas exploram apenas 20 quilómetros sob regras apertadas em termos de fiscalização, que é paga pelas próprias confrarias. São estas estruturas que asseguram também o apoio à comercialização, sendo que os percebes ali capturados são depois vendidos em Barcelona, Madrid e Valência, locais com grande poder de compra.
O encontro entre mariscadores galegos e portugueses que ontem terminou decorreu ao longo de quatro dias e contou com o apoio do município de Odemira."

Afinal existe ou não excessiva exploração de recursos na costa alentejana?

Aprendemos a evitar uma situação semelhante à ocorrida na década de 80 na Galiza?

Porque razão existe fiscalização privada na Galiza, enquanto em Portugal estamos sempre à espera que seja a administração pública a única a intervir?

Cumprimentos,
João

João Carlos Claro disse...

Caro Fernando

Julgo ser interessante obter alguns comentários sobre esta notícia publicada no Diário de Notícias em 13.10.2007:

"Na raia espanhola a captura desenfreada de percebes obrigou os mariscadores a interromperem a actividade durante seis anos. Aconteceu nos anos 80 mas os mariscadores galegos não esqueceram essa fase e aprenderam com o erro. As confrarias decidiram organizar o sector tornando-o um exemplo que a Associação dos Mariscadores da Costa Vicentina e Sudoeste Alentejano (AMCVSA) admite seguir agora, confrontada com o abrupto desaparecimento daquela espécie.
O sinal vermelho, dado há um ano, agudizou-se nos últimos dois meses e receia-se que a época de defeso - de 15 de Setembro e 15 de Junho - não chegue para recuperar a população. Para que o cenário dos anos 80, na Galiza, não se repita no Litoral Alentejano e Costa Vicentina, urge lançar regras de coordenação. As quantidades diárias que cada mariscador pode apanhar é um dos temas que vai agora ser analisado. Nesta altura em Portugal é permitida a captura de 20 quilos de percebes, que podem ser vendidos fora das lotas, desde que haja autorização da Direcção-Geral das Pescas, cabendo aos próprios mariscadores estabelecer o preço. Em Pontevedra, na Galiza, a venda só é admitida nas lotas, enquanto cada marisqueiro só pode apanhar quatro quilos.
Os preços andam pelos 50 a 70 euros o quilo, podendo chegar aos cem euros em dias de menos oferta. Já do lado português, o consumidor consegue adquirir um quilo de percebes a partir de 15 euros.
A bióloga Dora de Jesus, da AMCVSA, estima que para garantir a sustentabilidade os mariscadores portugueses não deveriam capturar além dos dez a 15 quilos diários, admitindo que a área de captura é muito considerável, dando uma média de um quilómetro de costa por cada um dos 80 marisqueiros registados.
Na Galiza, 60 pessoas exploram apenas 20 quilómetros sob regras apertadas em termos de fiscalização, que é paga pelas próprias confrarias. São estas estruturas que asseguram também o apoio à comercialização, sendo que os percebes ali capturados são depois vendidos em Barcelona, Madrid e Valência, locais com grande poder de compra.
O encontro entre mariscadores galegos e portugueses que ontem terminou decorreu ao longo de quatro dias e contou com o apoio do município de Odemira."

Como evoluiu a situação nestes últimos 3 anos? Será que soubemos evitar o sucedido na Galiza?

Qual o impacte cumulativo da captura profissional / lúdica / ilegal sobre os recursos da orla costeira?

Porque razão em Portugal remetemos sempre a fiscalização apenas para a tutela do Estado, enquanto noutros locais são os próprios interessados a contratar segurança privada?

Cumprimentos,
João

Anónimo disse...

Jornal do Algarve hoje, 15-09-2010

Perceve está sobre-explorado e “com bastantes problemas”

O perceve, marisco que se encontra na Costa Vicentina (Aljezur e Vila do Bispo), está sobre-explorado e “com bastantes problemas”, apesar da regulamentação existente, afirmou a biológa Joana Fernandes, que defendeu ser necessário efetuar mais estudo sobre a espécie.

A investigadora da Universidade de Évora, que descobriu uma nova espécie de perceve, em Cabo Verde, disse hoje à agência Lusa que, dos trabalhos feitos no sul do país, conclui-se que a espécie “não está bem, está com bastantes problemas, está numa situação de sobreexploração”.

Joana Fernandes defendeu ser “necessário fazer muitos mais estudos para se tentar avaliar a situação”. Trabalhos desenvolvidos pela Universidade de Évora debruçam-se principalmente sobre a costa alentejana e as Berlengas e, em relação ao norte, “não se sabe de nada”.

A situação já levou à criação de regulamentação para controlar a apanha, mas, “na maioria das vezes, não é cumprida e sabemos que está a rarear bastante a abundância de percebes”, um marisco “economicamente importante em Portugal”, referiu.

De qualquer modo, aquela lei “ainda é muito recente e é difícil avaliar se está a ter impacto e se está a ajudar a preserver a espécie”. Por isso, seria importante monitorizar a sua aplicação, defendeu.

O percebe aparece em zonas rochosas e de bastante agitação marítima.

Em Portugal, encontram-se percebes na zona entre a Ponta de Sagres e Sines, na região do Cabo Carvoeiro e Arrábida, no Cabo Mondego e na costa entre o Minho e o Porto.

JA/AL