Regulamentação da pesca lúdica I


A pesca lúdica enferma de várias vicissitudes e omissões que era importante, mas não urgente, regulamentar para garantir a sustentabilidade dos recursos e prevenir a concorrência desleal com os profissionais, bem como a fuga aos impostos.

Em termos de sustentabilidade, os problemas que se me afiguram mais óbvios são o da impermeabilização da orla marítima e o da pesca desenfreada à margem da lei. A impermeabilização é devida a uma camada de lamas provenientes dos entulhos das obras da “Madeira Nova” lançados à água durante 40 anos sem qualquer tipo de cuidado ou de fiscalização. As lamas “entopem” o calhau impedindo que os alevins se refugiem para poderem crescer e garantir a renovação de gerações e a sustentabilidade das espécies.

Aliado a este fator estabeleceu-se por toda a ilha um tipo de pesca praticada por um conjunto de indivíduos sem escrúpulos que utilizando técnicas de pesca agressivas, como o “jigging vertical” (“jiga” ou zagaia), sistematicamente, dia após dia, se dedicam à captura de dezenas e centenas de quilos de espécies, geralmente reprodutores e predadores de topo da cadeia ecológica, como os grandes pargos e charuteiros que posteriormente são comercializadas à “surrelfa” no circuito dos restaurantes sem qualquer controlo e sem que paguem qualquer imposto.
Relativamente ao problema das lamas só o tempo e as levadias o resolverão, desde que não continuem os despejos selvagens como ocorreu recentemente com os entulhos provenientes das obras da frente mar, praça do povo, etc.

Relativamente à segunda situação, a da pesca abusiva, já existe legislação nacional, que à falta de regulação regional, está em vigor em todo o país. Bastaria uma fiscalização eficaz para fazer cumprir a lei, até porque os prevaricadores estão bem identificados pelas autoridades.

Quanto a uma pesca marginal, submarina, de canoa, rocha e calhau, que apanha uns quilos de peixe ou de lapas para autoconsumo ou para uma pequena venda particular, não põe em risco a sustentabilidade dos recursos e é por vezes a única fonte de proteínas e de receitas para muitas famílias a quem o Estado faltou e que deste modo conseguem subsistir nessa semi-marginalidade. A esses, estou em crer, nem as coimas nem a prisão impedirão de continuar a praticar a pesca e a apanha que hoje fazem.

A maioria dos pescadores uns dias pesca mais, outros menos, e outros ainda não apanha nada. Quando têm sorte e fazem uma boa pescaria, repartem com a família e os amigos, do mesmo modo como procedem quando cavam as semilhas e apanham as peras.

A regulamentação desta atividade, porque não urgente, deveria ter sido feita de forma sábia, sustentada por estudos científicos adequados à realidade regional, e posteriormente deveria ser objeto de amplo debate público antes da sua aprovação na ALR. Ao invés disso deparamo-nos com uma preguiçosa, grosseira e mais restritiva adaptação da regulamentação nacional em que a mais evidente adaptação à Região consiste na referência a lapas. Esta lei foi feita apressadamente, no segredo dos gabinetes, sem qualquer consideração pela realidade regional e está cheia de perplexidades e contradições que pouco tem a ver com a garantia da desejável e apregoada sustentabilidade dos recursos e parece ter sido elaborada de forma preconceituosa por alguém que não conhece minimamente a realidade e parte de princípio fundamentalista de que todos os pescadores praticam ilegalidades.

Devido a uma lógica semelhante, e motivado pela circunstância de um adepto dum clube de futebol ter disparado um very-light para a barriga dum adepto do clube adversário, outro legislador fundamentalista dificultou de tal forma a compra destes artefactos que numa embarcação de recreio só é possível ter um número predefinido e muito limitado destes dispositivos sem considerar que estes são importantes elementos de segurança e quantos mais, melhor.

Algumas perplexidades, estrabismos e contradições:

Qual a razão dos quantitativos definidos serem diferentes dos nacionais, 30kg para a pesca embarcada e 5 exemplares para a pesca submarina?

Saltam-me à partida as seguintes questões:

- Três pescadores de pesca apeada podem pescar por dia 30kg de peixe. Os mesmos três pescadores, numa embarcação podem pescar apenas 25Kg.

- O pescador submarino pode pescar 10 exemplares sem limite de peso. Se considerarmos que esse pescador estava num dia de sorte e capturou 2 charuteiros com 15kg cada, 2 cavalas da índia com 20Kg cada e 6 bodiões no total de 3kg, no conjunto pode pescar 73Kg. Se fizesse pesca apeada só poderia pescar 10Kg. Qual o critério? Onde para a equidade? Pelo contrário podendo uma embarcação pescar por dia 25Kg, se for durante um mês todos os dias à pesca poderá pescar “legalmente” 750kg. Onde para a sustentabilidade?

- As luzes “isca” são utilizadas predominantemente na pesca da “ruama” (pequenos pelágicos). Não estando estas espécies minimamente em risco e sendo já a quantidade de capturas limitada, porquê esta proibição? Será apenas por esta proibição constar na legislação nacional?

- Limitação de 25kg/dia, por embarcação. Se não houver, como na legislação nacional, exclusão para cada pescador do maior exemplar capturado, será que deixo de ter a possibilidade de pescar um atum? Ou um marlin? Ou uma cavala da índia?

- Conhecem por acaso alguém que esteja disposto a gastar 40l de gasóleo para apanhar 25Kg de potas? Ou a ir à Deserta capturar a mesma quantidade de peixe?

- Será que 25Kg de cavala equivalem a 25Kg de garoupa? Porquê não é feita qualquer distinção?

- Porquê apenas o vendedor ilegal é punido (e bem)? E o comprador? Para além do mais não estarão também em causa questões de higiene alimentar e de saúde pública?

- Por que razão que a única parte do diploma que já está pronta é a das coimas. Poderá o pescador pensar, que o que interessa, não é a sustentabilidade dos recursos mas somente o dinheiro das coimas.

Pedimos encarecidamente ao legislador que seja sábio, que se documente, estude, faça o trabalho de casa, fale com quem sabe de ciência e/ou que tenha experiência e por favor, não seja talibã.

Espero poder contribuir positivamente com as minhas opiniões e as dos meus amigos da “malta do calhau” na marina, mas, por imperativos de espaço terá de ficar para outra vez.

Fonte: dnoticias.pt

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