Neste artigo, o autor apresenta a sua posição contrária à aquisição dos Navios de Combate à Poluição Marítima (NCPM ou só NCP) e propõe uma opção técnica e economicamente melhor para Portugal.
Em 2001, o Governo decidiu adquirir por ajuste directo com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), uma empresa do grupo EMPORDEF, do Estado, um Navio de Patrulha Oceânico (NPO) e um Navio de Combate à Poluição Marítima (NCP). Em Abril de 2002, a Marinha e os ENVC acordaram que o fornecimento seria de dois NPO, o primeiro por €33m (entregue à Marinha em 30-Dez-2010) e o segundo por €32m. Contratou, em 2004, ainda com os ENVC, a aquisição de dois NCP, como variante dos NPO, mas com duas diferenças de relevo: sem convés para helicóptero e com um Transrec 250 na tolda (ver fig.1), cuja aquisição está prevista no contrato de construção.
Importa notar que estes programas de aquisição, embora visem servir os fins do chamado “serviço público não-militar”, têm sido sujeitos a um segredo difícil de entender num Estado de Direito Democrático; não devia ser necessário estar envolvido no processo para o conhecer, porque, em última análise, os contribuintes têm um direito inalienável de saber como o Estado gasta os recursos em seu nome e que a eles tributa.
Figura 1 - Arranjo preliminar do NCPM (€ 32 m, 2002). |
O Transrec é um dos recuperadores mais sofisticados e capazes que existem no mercado para a recolha de substâncias viscosas no mar; exige espaço no convés do navio onde vai operar, para instalar o tambor de barreiras pneumáticas e de encanamentos flexíveis, para colocar as cabeças do recuperador e a grua que é necessária para movimentar estes equipamentos pesados; exige potência hidráulica ou eléctrica disponível no navio, ou espaço para colocar um contentor com a respectiva unidade de potência; e exige generosa capacidade de armazenamento de produto recolhido no mar, uma vez que tem um débito nominal de 250 m3/h menos de 1.000 m3 não justifica o emprego e a deslocação de um navio grande e operacionalmente dispendioso, assim como um recuperador com tão grande capacidade.
A Marinha tem um Transrec 250, mas não tem nenhum navio para o operar; a manutenção preventiva e o treino deste Transrec não são fáceis: têm-se feito num cais, em condições inadequadas. Parece-me que só o fabricante e os intermediários têm a ganhar, se o Estado português adquirir outro Transrec.
Dir-se-á que a aquisição está prevista no contrato e que uma alteração do contrato obriga a uma revisão de preços para cima. Esta é uma falsa questão, porque os ENVC são uma empresa pública e só aumentam o preço se o accionista, que é a tutela, não lhes impuser uma orientação diferente. Ou seja, pode-se alterar o contrato sem aumentar os preços – e até se podem reduzir.
Figura 2 - "Campoamor", Espanha (€ 40 m, 2004). |
Mas há duas razões muito fortes para não se fazerem estes NCP. Primeiro, os NCP não são o tipo de navio preferido para combater a poluição do mar, pois o convés está muito acima da água; a manobra de barreiras e de recuperadores (sobretudo mais pequenos do que o Transrec e de uso mais frequente), não dispensa muito trabalho manual, e é tanto mais fácil quanto mais perto o pessoal estiver da água; no NCP está a 3 m. Mas, pior, o NCP não tem tanques estruturais para guardar os resíduos recolhidos do mar; aposta-se em tanques flutuantes, uma má opção no mar, onde a agitação marítima exige grande esforço para fracos resultados. E o NCP não tem convés para helicóptero, degradando as suas capacidades, enquanto NPO. Segundo, Portugal precisa muito de NPO para patrulhar as suas águas – para dissuadir o narcotráfico ou a poluição do mar, e ilícitos em geral, com a capacidade de impedir a acção dos prevaricadores, e não apenas de os observar, tendo o helicóptero um papel crucial neste âmbito – do que destes NCP, que têm uma fraca relação de custos-benefícios (ver figs. 2 e 3).
Além disso, o que faz sentido após um processo longo e atribulado de construção dos dois primeiros NPO é explorar economias de escala e de aprendizagem aumentando a série de NPO. Com dois construídos, sem contrato aprovado para mais, fazer já uma alteração substancial do projecto (como se exige para a tolda do NCP), ainda que se diga que o NCP é basicamente um NPO, é anti-económico, pois perdem-se boas qualidades do NPO, sem ganhar nada no combate à poluição do mar. E dizer implicitamente ao país que possui NCP cria expectativas que, perante o combate a marés negras, sairão goradas.
Argumenta-se com a urgência de adquirir NCP, pela falta de meios em Portugal, e que algo é melhor do que nada. Mesmo que não se queiram partilhar recursos com Espanha, por questões de soberania, hoje pode-se contar com a lancha de desembarque NRP “Bacamarte”, que desde 2009 tem vindo a aprofundar a sua capacidade de operar o sistema “V-Sweep” e o transporte de 100 m de resíduos no poço, em cisternas ou tanques portáteis. As lanchas de desembarque têm ainda a capacidade de transportar pessoal e material até locais de difícil acesso por terra, algo muito valioso perante marés negras; podem alojar pessoal em contentores no poço; e são menos onerosas. O projecto da “Bacamarte” é português, não é sofisticado, e um aumento da potência propulsiva e uma melhoria na habitabilidade darão a este tipo de navio uma alta razão benefícios-custos para o combate à poluição do mar. Podem-se construir mais navios destes do que NPO ou NCP (fala-se em €40 milhões/NPO, mais caros que navios equivalentes e que as lanchas de desembarque), pelo que seria viável adoptar um conceito de operação do tipo “conveyor belt”, com 4-6 lanchas: umas estão em trânsito, outras estão a recolher resíduos no mar e outras estão num porto a trocar as cisternas ou tanques flutuantes cheios por outros vazios (mesmo que sujos).
Figura 3 - "KBV 003", Suécia (€ 40 m, 2011). |
Em suma, é errado adquirir um segundo Transrec, quando nem o primeiro se consegue explorar. Deve abandonar-se o NCP, por ser anti-económico e criar expectativas que sairão goradas; em vez do NCP, devem aproveitar-se economias de escala e de aprendizagem, e adquirir mais NPO. Para o combate à poluição do mar, devem adquirir-se pelo menos quatro lanchas de desembarque, que servem também para numerosas outras tarefas, incluindo no âmbito do serviço público não-militar.
Autor: Jorge Silva Paulo (Capitão-de-mar-e-guerra ECN na Reserva; Ex-Chefe do Serviço de Combate á Poluíção no Mar por Hidrocarbonetos da DGAM, 2007 - 2010)
Fonte: Revista da Marinha
Sem comentários:
Enviar um comentário