ANPLED - Questões Pesca Lúdica




A ANPLED foi contactada oportunamente, para responder a algumas questões, colocadas pelo suplemento do Diário de Noticias - Dinheiro Vivo, sobre a pesca lúdica e relacionadas com a revisão da legislação, sobre a qual estão a ocorrer reuniões, como já foi comunicado anteriormente. Divulga aqui, as perguntas e respostas integrais. para que não existam dúvidas sobre a sua posição.


Diário Noticias (DN) - Qual o ponto de situação sobre a legislação relativa à pesca lúdica em Portugal? Continuam em vigor as portarias de 2009 que tantos protestos têm provocado junto da população costeira?



João Borges (JB) - Sim. As portarias que foram publicados em 2009, nomeadamente a 143 e a 144 e a posterior revisão da portaria 143, (115-A/2011) são as mais recentes sobre esse assunto. Acresce que à legislação acima referida, outra há que impõe regras à prática da actividade, tais como limitações e áreas de interdição. Referimo-nos mais concretamente, aquelas que são ditadas através de edital pelas Capitanias. 



DN - Sabem se o MAMAOT está a prever alterações em breve a esta legislação? Quais são essas alterações e quando entrarão em vigor?



JB - Foi constituído um grupo de trabalho, nomeadamente composto por organizações relacionadas com a pesca lúdica e desportiva e os organismos governamentais responsáveis por estes assuntos. Esse grupo de trabalho está neste momento a desenvolver uma proposta de alteração. Toda a legislação será discutida e esperamos que no final resulte num conjunto de normas mais equilibradas. 
Relativamente à sua entrada em vigor, pensamos que a proposta após finalizada seguirá os trâmites legais. Os prazos para cumprimento dos mesmos não são do nosso domínio, no entanto fazemos votos que ela produza efeitos o mais rápido possível. 



DN - Que recomendações e exigência fizeram para esta nova lei?



JB - Não existiram recomendações ou exigências. Apresentámos uma proposta de alteração, daquilo que consideramos não se coadunar com os princípios que se fazem reflectir na actual legislação e que pretendemos ver traduzidos na revisão legislativa que venha a ser publicada. Não descurando a preservação dos recursos, procuramos ver nela reflectidos entre outros, os princípios do acesso equitativo aos recursos naturais e o princípio de igualdade entre praticantes. 
Existem algumas divergências quanto aos princípios que devem nortear aquilo que entendemos como um aperfeiçoamento da legislação. Enquanto a ANPLED (e não só), entende que a melhor forma de proteger a actividade e o meio onde ela se desenvolve, passa por uma fiscalização mais eficaz e que contemple todos os utentes, as organizações governamentais, entendem que na falta de meios que possam garantir essa eficácia, propõem a penalização “cega”, aplicada sobretudo à actividade lúdica e desportiva.
A nossa intenção, e é nisso que estamos empenhados, é que o grupo de trabalho produza uma proposta de alteração legislativa que torne a actividade mais apelativa para os jovens praticantes e que possa contribuir para o retorno à actividade daqueles que, após se verem confrontados com as restrições em vigor, se sentiram impelidos a abandoná-la.



DN - O que motivou agora a alteração desta legislação? O reconhecimento que a anterior era demasiado restritiva?



JB - Em nossa opinião esta alteração peca por tardia.
À razão de que a anterior (leia-se actual), legislação era demasiado restritiva, nós acrescentaríamos que estava dispersa por vários diplomas dificultando o conhecimento da mesma, era deficiente, insuficiente, em alguns casos discriminatória e profundamente injusta. Nomeadamente na Costa Vicentina. Também uma exigência da ANPLED, que a complementou com um projecto próprio de alteração e que já antes tinha sido entregue. 
Existe um compromisso das organizações governamentais que ao contrário de comportamentos passados, que ignoraram e escutaram quem e quando entenderam, desta vez, decidiram, e bem, em nossa opinião, convocar os parceiros, discutir, para melhorar. Esperemos que o resultado final seja satisfatório, sobretudo para os pescadores lúdicos e desportivos e o meio ambiente, tendo a consciência que algumas medidas não serão as desejadas, outras serão menos penalizadoras e mais reguladoras, e ainda outras, adequadas. Como aliás sucede na conclusão de qualquer debate.



DN - Pensam que com a nova legislação, será possível manter um equilíbrio entre a conservação das espécies e da natureza e as necessidades das populações?



JB - Desejamos que assim aconteça. Consideramos fundamental que assim seja. O problema que refere, o das populações, é um problema muito mais vasto. É uma questão sócio cultural sobre a qual todos os governos antecedentes pouco fizeram e o actual ainda não demonstrou vontade de fazer. Resolver o problema das populações é equilibrar a sua dependência dos recursos. A ANPLED, os associados da ANPLED, são sensíveis, enquanto cidadãos a esta realidade, no entanto esta associação foi criada com o objectivo de defender a pesca lúdica e desportiva, excluindo dos seus estatutos qualquer outra forma de pesca.



DN - Se a nova lei for menos restritiva, poderão os pequenos estabelecimentos costeiros recorrer à pesca lúdica para cortar nos custos? Não temem o controlo e as multas?



JB - Tal como o nome indica, pesca lúdica e desportiva, trata-se de uma modalidade, em que os praticantes por recreação e prática desportiva capturam peixes e outros organismos. É uma actividade integralmente amadora e o exercício do comércio, a acontecer, em nosso entender deve ser punível. Assim sendo, todos os estabelecimentos, os pequenos e os grandes, para se abastecerem deverão adquirir os seus produtos através dos canais de comercialização adequados. Esta é mais uma vez uma opinião enquanto cidadãos. A nossa associação tem outros fins que não a defesa da exploração comercial por parte de estabelecimentos e das medidas mais adequadas para a sua manutenção e sobrevivência. Os peixes e outros organismos são elementos demasiado valiosos do ponto de vista ambiental, para serem olhados exclusivamente como riqueza comercializável. 
Quanto ao controlo, entendemos que ele é fundamental. Os vindouros necessitam desta preocupação no presente. Quando nada mais existir será tarde. As multas são uma forma de penalizar o acto ilícito. O que sempre entendemos é que os seus valores muitas vezes excedem o razoável, quando comparáveis com ilícitos de outra natureza, nomeadamente ilícitos criminais, como a condução de veículos sobre efeitos do álcool. Assim sendo, temer não tememos. Desejamos que tenham valores mais ajustados, considerando o ilícito em causa, e que a bem da pesca lúdica e desportiva, a fiscalização exista para que quem pratique a infracção seja punido. Exigimos ainda que a actividade comercial da pesca, pela sua natureza e pelo impacto que a sua actividade tem nos recursos seja proporcionalmente fiscalizada e punida quando ocorra uma infracção e é nesse sentido que requeremos o reforço de meios e uma fiscalização adequada e eficaz. Sabemos que mesmo a actividade comercial da pesca é diversificada quanto à sua natureza e que, por exemplo, o pescador artesanal, que captura espécimes de elevado valor comercial recorrendo sobretudo ao anzol não tem na generalidade a mesma importância na redução dos efectivos e a sua actividade assim deve ser considerada. Mas tem responsabilidades, como todos os utentes do meio.



DN - Qual o valor das multas em vigor neste momento para quem desrespeitar as leis da pesca lúdica?



JB - O valor das multas varia entre um mínimo de 250 euros e um máximo de 25.000 euros, tratando-se de penalizações aplicadas a singulares ou entidades colectivas.



DN - Porquê a existências de uma lei à parte só para o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina? Não é igual à restante costa portuguesa?



JB - Não se trata de uma questão exclusivamente para a Costa Vicentina. Existem regulamentações próprias para outras áreas. Trata-se de uma área que se considera protegida, num Parque Natural. Assim sendo, tem uma regulamentação própria atendendo à sua especificidade. Contudo esse regulamento não deve proibir por proibir, restringir por restringir, descriminar por descriminar. Tememos sim que se faça da costa portuguesa uma enorme área protegida, cegamente, atendendo a interesses suspeitos. Não podemos aceitar que dentro de uma área protegida, como é o caso da Costa Vicentina, um pescador lúdico tenha de cumprir com determinados condicionalismos e um pescador profissional possa dizimar os recursos livremente. Um pescador lúdico está condicionado na sua actividade e um pescador profissional dispõe de liberdade total. Um pescador lúdico, aqui e ali é fiscalizado e a pesca profissional, aparentemente, tem salvo-conduto. Um pescador lúdico é autuado e a pesca profissional limita-se a recolher o resultado da sua actividade, “amnistiado” de infracções. 
Não conseguimos compreender as razões, pelas quais um residente e/ou natural da área em causa possa exercer a sua actividade lúdica e desportiva em determinadas condições e um natural e residente no mesmo país, que paga as mesmas taxas de licenciamento, às mesmas entidades que recebem o produto de todas elas, seja discriminado e não o possa fazer.



DN - Acreditam que no caso de uma nova legislação, irão manter-se regras diferentes para a costa alentejana?



JB - Por se tratar de um espaço inserido num Parque Natural, é natural que algumas regras agora em vigor se venham a manter. Principalmente aquelas que possam efectivamente ter eficácia na preservação e sustentabilidade dos recursos. Às regras e condicionalismo aplicáveis apenas e só à pesca lúdica e desportiva, diremos sempre não. Esperamos que a revisão agora em estudo ponha fim a duvidosas e ineficazes medidas de preservação e sirva para por cobro à descriminação levada a efeito pelo anterior executivo, que com a aplicação do conceito de discriminação positiva, privou os cidadãos, que não sendo naturais ou não residindo na área do Parque Natural, do direito á igualdade consagrado na Constituição. 



DN - Continuam a fazer chegar ao MAMAOT as vossas queixas? Quais as principais reivindicações?



JB - Sempre que necessário remetemos o nosso descontentamento para as entidades responsáveis. Reivindicamos, fundamentalmente, uma legislação mais equilibrada, em que o pescador lúdico seja sujeito da sua responsabilidade enquanto utente do mar. Que tenha deveres adequados mas também garantias. Se paga uma taxa de licenciamento, que o produto dessa taxa reverta em proveito da actividade. No financiamento de estudos científicos que permitam analisar o estado dos recursos, para de forma sustentada e acautelando declínios, manter e repor stocks. No apoio a serviços complementares fundamentais, como a busca e salvamento no mar, que não sendo exclusivamente necessidade da pesca lúdica e desportiva, são de grande importância para a segurança de todos os utilizadores do meio. No reforço dos meios de fiscalização como forma de evitar o ilícito, os mesmos meios que a tutela admite serem insuficientes. 
A pesca não é uma excepção. A melhor forma de impedir o estabelecimento de restrições “cegas” é a educação e a formação e por isso defendemos que parte do produto das taxas de licenciamento e das coimas aplicadas à pesca lúdica e desportiva deve ser investido nestes sectores.
Face a um ilícito de pesca lúdica e desportiva, poderá na óptica do aplicador, que a acção de penalizar com valores pecuniários e com a apreensão de materiais, tenha valor para a preservação e sustentabilidade dos recursos. Não vale seguramente para todos nós, quando a sua proporção se aplica à pesca profissional, onde muitas vezes se troca uma riqueza incalculável do ponto de vista da mesma preservação e sustentabilidade, por uma coima irrealista.



DN - Desde 2009, que impacto têm tido as leis da pesca lúdica para os pescadores lúdicos e para a população costeira? O que poderá melhorar ou piorar com a nova lei?



JB - Em primeiro lugar, provocou o decréscimo da população de pescadores lúdicos e desportivos. 
As leis da pesca contribuíram para o decréscimo de actividades económicas relacionadas com a actividade. Nomeadamente, a comercialização de equipamentos e materiais de pesca; a indústria e comércio de artigos ligados ao sector da náutica de recreio; as actividades regionais de hotelaria e restauração, que acolhiam pescadores e famílias. 
Impediram, sobretudo os mais idosos de exercer a actividade em locais tradicionais, muitas vezes os únicos a que tinham acesso. 
Sendo uma actividade de recreação e desporto, não contribuíram para a sua matriz, consubstanciada na qualidade de vida e usufruto adequado de um bem comum. 
Fragilizaram a actividade lúdica e desportiva em relação a outros utentes. A uns tudo é proibido, a outros tudo é permitido. 
A actual lei da pesca, não é uma legislação adequada e justa. Proíbe-se, exige-se, sem grandes ideias e sem bases de sustentação. O contraponto é a punição. É mais fácil e rentável proibir e multar, que prevenir.
Esperamos que a nova legislação seja mais equilibrada e transparente e que de uma vez por todas se entenda que a fiscalização, os esforços de fiscalização, são fundamentais. Somos pescadores lúdicos e desportivos, temos a nossa consciência tranquila, cumprimos a lei. Reunimos, discutimos e propomo-nos contribuir para alterar o que entendemos ser alterável. Queremos pescar hoje, mas também amanhã, e sabemos que isso só será possível se tivermos um comportamento adequado. Queremos que outros utentes do mar o façam também e por isso exigimos às entidades que fiscalizem, que zelem pela manutenção do bem comum. 
É um esforço inglório devolver um peixe sem medida legal à água, para que ele viva e se multiplique, quando alguns multiplicam o gesto de matar por milhões, simplesmente porque o seu valor comercial não justifica outra atitude.

Fonte: ANPLED

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